Para comemorar os 50 anos da telenovela diária no Brasil, o canal Viva preparou o especial "Damas da TV", que estreia nesta quarta-feira (28), às 21h. A cada semana, o programa exibirá entrevista com atrizes da televisão brasileira. Entre as 23 atrizes convidadas, estão Glória Menezes (que abre a série), Fernanda Montenegro, Regina Duarte, Marieta Severo, Marília Pêra e Renata Sorrah.
Ela já foi a Heleninha, de "Vale tudo", e a Nazaré Tedesco, de "Senhora do destino", entre tantos papéis pelos quais ficou conhecida pelo público em mais de 40 anos de carreira. Sorrah conversou com o G1 sobre sua trajetória. No ar em "Saramandaia", novela das onze da Globo e refilmagem da exibida originalmente em 1976, a atriz ingressou na televisão por conta de Dias Gomes, escritor que a viu no teatro e logo a convidou para "Assim na terra como no céu" (1970). "Foi um aprendizado imenso. Conheci os futuros amigos, as pessoas com quem eu me relacionaria a vida inteira. Foi a descoberta da profissão", conta.
Sorrah diz que teve muita sorte em sua carreira de atriz e aponta a Zenilda, de "A indomada", e a Pilar, de "Pedra sobre pedra", entre suas personagens favoritas. "Sempre fiz coisas que eu queria fazer e gostei de fazer todas", afirma. Porém, lamenta não ter tido tantas oportunidades no cinema, em que o último papel foi em "Árido movie" (2006): "Minha história é na televisão e no teatro". Leia, abaixo, a entrevista na íntegra:
G1 – Quando você decidiu ser atriz?
Renata Sorrah – Várias atrizes já têm essa ideia na infância. Eu não. Eu fui para os Estados Unidos, no último ano do segundo grau, para morar por um ano. Lá, eu me inscrevi na aula de teatro, quando tinha 16 anos. No fim do ano, o professor me perguntou se eu já sabia qual faculdade queria fazer. Eu tinha pensado em fazer Jornalismo ou Sociologia, mas ele disse que eu devia ser atriz.
"Acho que você é assim como uma pedra preciosa, que tem que lapidar", ele me disse. Fiquei com isso na cabeça e voltei para o Brasil. Entrei em Psicologia na PUC, fiz um amigo que tinha um grupo amador de teatro, de esquerda, e estávamos na época da ditadura. O diretor era o Amir Haddad, que era genial, eu tive a sorte de tê-lo na minha vida. Nunca mais voltei para a Psicologia e nunca mais deixei o teatro. Entrei para a TV em 1970, quando o Dias Gomes me viu no teatro, fazendo "Antígona", do Sófocles, e me convidou para a novela "Assim na terra como no céu".
G1 – Quando você percebeu que era atriz?
Renata Sorrah – Quando eu estava ensaiando no TUCA, nas oficinas com o Amir Haddad, "A casa de Bernarda Alba", do García Lorca, e eu fazia uma das filhas da Bernarda Alba, a Angustias, e falava uma frase só. "A vergonha da nossa casa", algo do tipo. O Amir virou para mim e falou "você é uma atriz" e remontou a cena toda, botando uma luz em mim. Nesse dia, eu fui para minha casa falando: "É isso o que eu quero fazer". É como se eu tivesse acordado de um jeito e ido dormir de outro. Foi quando eu descobri o que eu queria da minha vida. Aí comecei a estudar e estudar, trabalhar e trabalhar, e foi como se abrisse uma cortina na minha frente e entrasse luz.
G1 – No início da sua carreira, você tinha algum ator ou atriz que admirava e tinha como espelho?
Renata Sorrah – Não, não tinha isso de: "Ah, eu quero ser atriz". Eu fui descobrindo aos poucos, porque estava no teatro amador, político. Não tinha isso de "quero ser famosa". Eu fui aprendendo a ser atriz.
G1 – Quais lembranças você guarda da sua estreia em novela? Sua personagem foi assassinada em 'Assim na terra como no céu'...
Renata Sorrah – Sim, entrei em 15 capítulos, mas fez um sucesso louco porque foi um dos primeiros "quem matou?" de uma telenovela. Era uma moça do subúrbio que se mudava para Ipanema e se apaixonava por um padre, que era o [Francisco] Cuoco que fazia, jovem, lindo e maravilhoso, entrando na TV Globo também. Na hora que eles vão casar, matam ela no Arpoardor. Foi um aprendizado imenso. Conheci os futuros amigos, as pessoas com quem me relacionaria a vida inteira. Foi a descoberta da profissão, da certeza do que eu tinha escolhido para mim.
G1 – Você também participou de 'O primeiro amor', do Walther Negrão, que foi uma das primeiras novelas com gravações fora do estúdio. Você se sente mais à vontade em 'externas'?
Renata Sorrah – Sempre gostei das cenas externas, porque eu acho que parece cinema. Por exemplo, em "Senhora do destino", gravamos fora do Projac [onde estão concentrados os estúdios de novelas e programas de entretenimento da Globo no Rio], no bairro Peixoto, na casa da Nazaré. Eu adorava, porque dava uma veracidade para a cena.
G1 – Muitas pessoas acham que você sempre fez papéis de vilã. E, muitas vezes, o vilão rouba a cena por ter um caráter complexo. Você acha, por exemplo, que a Adriana Esteves, no caso da Carminha de 'Avenida Brasil', e Mateus Solano, no caso do Félix de "Amor à vida", vão ficar marcados como você ficou com a Nazaré?
Renata Sorrah – É incrível isso, porque eu fiz uma vilã e todo mundo começa a falar comigo: "Você que é especialista em vilã". Acho que a Nazaré era tão vilã, que ficou essa impressão. Mulheres à beira de um ataque de nervos eu fiz muitas. Fortes, neuróticas, feito a Heleninha, que era alcoólatra, coitada. Os vilões são os que mais chamam a atenção.
O Mateus está fazendo muito bem, e a Adriana então nem se fala, fez lindamente, e é uma alegria na carreira ter feito algo bacana. Mas eu não usaria a palavra "marcado". Acho que é um somatório muito bom.
G1 – Qual você considera o melhor papel de sua carreira?
Renata Sorrah – Eu tive muita sorte no teatro e na TV. Sempre fiz coisas que queria fazer e gostei de fazer todas. Vou te falar quase todas, mas os destaques são a Heleninha, do "Vale tudo"; a Nazaré, de "Senhora do destino"; a Zenilda, de "A indomada", que era dona de um prostíbulo; a Pilar, de "Pedra sobre pedra", tudo do Aguinaldo Silva.
G1 – Você gosta de ver novela? E de se ver em novelas?
Renata Sorrah – Não. Eu gostava, mas hoje em dia não olho muito. Eu dou uma olhadinha para ver como está e o que pode melhorar, sabe?
G1 – Como você constrói um personagem?
Renata Sorrah – Cada personagem tem umapproach diferente, uma maneira de chegar nele, porque você tem que conquistá-lo e ele tem que te conquistar. Quem é a personagem? De qual classe social ela é? Tem filhos? É uma mulher feliz ou não? Tem cultura ou não tem? Pelas cenas, ver o sentimento que ela tem. Isso depende dos outros atores que trabalham com você e do diretor.
É um conjunto de coisas que acontecem para você ir formando a personagem. Por exemplo, a Leocádia, de "Saramandaia", é uma mãe simples, firme, leal, não é hipócrita, não é preconceituosa e tem um filho que tem asas. Ela é mãe de uma criança especial, e isso é muito bonito. No caso da Nazaré, eu tinha acabado de fazer no teatro "Medeia", de Eurípedes, uma das maiores "vilãs", e a Nazaré caiu como uma luva. Para isso, precisa de muito estudo. Quanto mais você estudar e se dedicar, melhor você faz.
G1 – Se fizerem uma refilmagem de novela da qual você participou, você pensaria em uma atriz específica para viver o papel que foi seu? Se não, quais atrizes mais novas você admira?
Renata Sorrah – Não pensaria em ninguém. Mas eu admiro a Cacau [Cláudia Abreu], a Deborah Evelyn, que é minha sobrinha, a Carolina Dieckmann, a Bianca Bin e a Chandelly Braz, que faz "Saramandaia". São ótimas. São tantas atrizes boas. Andrea Beltrão e Fernanda Torres são atrizes primorosas.
G1 – Se um ator escolhesse só fazer teatro, ou só fazer cinema, ele sobreviveria?
Renata Sorrah – Sobrevive. Claro que a TV dá um apoio no sentido financeiro muito grande, porque você tem um contrato, um trabalho atrás do outro, mas consegue sobreviver, sim, fazendo teatro de uma maneira mais dura. É mais difícil, mas dá.
G1 – Seu último filme foi 'Árido movie', de Lírio Ferreira, em 2006, e você disse, em uma entrevista, que tem vontade de fazer mais cinema. O que a impede?
Renata Sorrah – Eu teria vontade de fazer mais, mas a minha história é na TV e no teatro. Sempre me convidam, mas é difícil encaixar com os trabalhos na TV e no teatro. Infelizmente, não faz parte da minha história.