Um projeto considerado “ambicioso” até mesmo por sua autora, “The standards”, novo disco de Gloria Estefan, será lançado no próximo dia 10. Inspirada por suas participações nos álbuns “Duets”, de Frank Sinatra, e “Viva duets”, de Tony Bennett, ela selecionou 13 clássicos internacionais e gravou versões em inglês, espanhol, italiano, português e francês.

Em entrevista ao G1 por telefone, a cantora explica que foi difícil selecionar o material em meio a centenas de canções, mas diz que, no final, ficou apenas com “músicas que têm algum significado muito, muito importante” em sua vida, relacionadas a eventos como seu casamento ou a relação com sua filha.

Produzido por Shelly Berg e Emilio Estefan, marido de Gloria há 35 anos e seu parceiro musical desde os tempos da banda Miami Sound Machine, “The standards” tem como convidados a cantora e compositora Laura Pausini, o violinista Joshua Bell e o saxofonista Dave Koz.

Entre os destaques do repertório estão “The day you say you love me”, a primeira versão em inglês de “El día que me quieras”, para a qual a cantora recebeu a única autorização dada pelo espólio de Carlos Gardel até hoje, e “Sonríe”, um dueto em espanhol e italiano com Laura Pausini, no qual Gloria canta em italiano pela primeira vez.

Além disso, ela também gravou pela primeira vez em português “Eu sei que vou te amar”, deTom Jobim, para a qual já havia feito versões em inglês, espanhol e francês anteriormente, e criou um novo arranjo, com toques latinos, para “They can’t take that away from me”, composta por George e Ira Gershwin e imortalizada por artistas como Fred Astaire, Billie Hollyday, Ella Fitzgerald e Frank Sinatra, entre outros. Para a cantora, a chance de experimentar um novo idioma e a oportunidade de fazer com que “pessoas com sensibilidade pop pudessem amar e entender” canções clássicas foram os principais motivos que a levaram a mexer tanto nas estruturas de obras consagradas.

Broadway e reality show
Com mais de 100 milhões de discos vendidos em mais de três décadas de carreira, sete prêmios Grammy e uma indicação ao Oscar, entre muitas outras homenagens, Gloria Estefan também já escreveu livros infantis, atuou no cinema e na TV e é, ao lado do marido, dona de restaurantes, hotéis e até de uma parte do time de futebol americano The Miami Dolphins.

Além disso, este ano Gloria e Emilio Estefan se associaram à empresa Nederlander Organization, dona de diversos teatros e casas de espetáculo nos Estados Unidos, para produzir um musical para a Broadway inspirado em suas vidas. Segundo a cantora, a chance de levar aos palcos a história de suas vidas, desde a infância em Cuba, é um sonho bastante antigo e os dois estão participando ativamente da produção, ajudando a escrever o roteiro e compondo novas músicas. Após encerrada essa etapa, ela planeja iniciar uma busca internacional pelos protagonistas da peça, que deverá ser transformada em um reality show.

Leia a seguir a entrevista, na qual a cantora fala sobre o novo disco, sua relação com a música brasileira, sua participação na série “Glee” e a vontade de voltar a atuar e adianta alguns detalhes sobre o musical na Broadway.

G1 - Qual foi o critério que você usou para a escolha do repertório de ‘The standards’?  Como você chegou à lista final, com 13 músicas?
Gloria Estefan - Não foi fácil, devo te dizer (risos), porque eu na verdade comecei procurando entre centenas de músicas. Levei então 50 delas até Shelly Berg,da Frost School of Music da Universidade de Miami, que foi o arranjador e maestro do disco. Quando cheguei até ele com essas 50 músicas nós nos sentamos ao piano, literalmente, e começamos a conversar sobre aquelas que tinham mais significado para nós dois, porque eu também queria que ele amasse o que estava fazendo e se sentisse inspirado. E então escolhi canções que têm algum significado muito, muito importante na minha vida. Eu queria uma de Tom Jobim, porque a música brasileira sempre foi uma influência muito grande para nós. Também gravei a música do meu casamento, “El dia que me quieras” e escrevi uma letra em inglês para ela, o que nunca tinha sido feito antes, e a família de (Carlos) Gardel adorou e ficou muito contente com o resultado. Foram todas canções muito especiais. “I’ve grown accustomed to his face” é algo que meu marido, Emilio, costuma assoviar, porque ele tem esse hábito, geralmente quando está muito feliz ou aborrecido. “Embraceable you” eu canto para minha filha e ela ia ao estúdio todos os dias...

G1 – Todas as músicas desse disco são consideradas verdadeiros clássicos, mas você mexeu bastante na estrutura de algumas delas, fazendo novos arranjos e até novas letras. Você teme que alguém possa reclamar de tamanha “ousadia”?
Gloria Estefan - Não! Se você quer saber, ficarei feliz se acharem que fizemos algo diferente, fomos muito corajosos com os arranjos, eu queria especificamente que fosse algo que pessoas com sensibilidade pop pudessem amar e entender. Quis manter o elemento clássico das canções, mas também queria fazer algo que fosse um pouco aventureiro musicalmente e que as pessoas que adoram jazz, porque Shelley é um pianista de jazz maravilhoso, também achassem interessante e gostassem. E acho que encontramos um bom equilíbrio. Tentamos coisas diferentes e meu maior elogio é quando as pessoas ouvem o disco e, elas me contam, se sentem como se estivessem ouvindo as músicas pela primeira vez. E, com músicas como essas, que estão por aí há décadas, isso é um elogio e tanto, eu realmente adoro isso.

G1 – E como você escolheu os músicos convidados do disco?
Gloria Estefan - Bem, Dave Koz foi por que eu estava procurando por um som de sax realmente sexy, bastante suave, e ele é um cara incrível, sou uma grande fã e ele era perfeito para esse disco. Laura Pausini é alguém que também admiro muito, e eu já tinha feito uma versão em espanhol de “Smile”, de Charlie Chaplin, e quando a reescrevi em italiano achei que ela seria perfeita, porque é italiana, mas é maravilhosamente fluente em espanhol também e é uma excelente cantora, famosa em todo o mundo latino. Eu a admiro muito, é uma garota muito doce. Ela estava estava grávida de oito meses, então gravou lá mesmo. Eu gravei minha parte primeiro, para que ela pudesse cantar a partir dali, e depois regravei mais uma vez para que pudesse ser realmente um dueto, e nós nos falamos muito todos os dias, trabalhamos juntas na letra em italiano, foi uma experiência maravilhosa. E Joshua Bell, na verdade, foi uma sugestão de Shelly, porque ele é tipo o violinista número um no mundo em seu gênero. E eu queria que “El dia que me quieras”, ou “The day you say you love me”, fosse um dueto entre o piano e o violino, e ele fez um trabalho maravilhoso.

G1 - E quando você decidiu usar vários idiomas no álbum?
Gloria Estefan - Bem, tenho a sorte de ter uma carreira internacional e eu estudei francês, francês foi uma das minhas disciplinas na faculdade, então foi fácil. E eu já tinha gravado em português antes e esse já era o idioma original de “Eu sei que vou te amar”, claro. Mas achei que seria ótimo se as pessoas tivessem a oportunidade de me ouvir cantar em uma língua diferente, e eu nunca tinha cantado em italiano, então esse foi um incrível desafio, mas quando você sabe espanhol... as línguas latinas têm uma raiz similar e eu tenho um ouvido realmente bom pra isso. Eu apenas achei que traria algo novo e um som diferente ao disco, pegar essas músicas clássicas que eu consigo cantar em várias línguas. Muitos artistas que interpretam esses clássicos fazem isso e achei que gostaria de explorar essa oportunidade e ampliar as coisas que posso fazer.

G1 - E por que você escolheu cantar em inglês justamente uma música de Carlos Gardel?
Gloria Estefan - Eu também costumo cantar essa música em espanhol. Mas no disco ela está em inglês porque foi a música do meu casamento, há quase 35 anos. Foi a primeira que Emilio e eu dançamos como marido e mulher. E acho que ela é tão, tão linda e nunca tinha sido traduzida para o inglês. Era um desafio e pensei que seria uma grande oportunidade, já que eu falo espanhol e poderia abordar a música entendendo bem as metáforas que Gardel usou. Mantive-me muito fiel às sensibilidades dos anos 20 e às metáforas que ele usou. Então foi um bom desafio e pensei que ela se tornaria uma linda música para casamentos, até porque em inglês não há muitas delas. E eu sei disso porque minha irmã se casou há alguns anos e procuramos em todos os lugares por uma bela canção para o casamento dela e não encontramos muitas. Então pensei ‘uau, se eu conseguir realmente fazer isso como Gardel fez, se conseguir me manter fiel à letra, será algo realmente bonito em inglês’ e foi por isso que eu a fiz.

G1 - Você já gravou com Alexandre Pires (a música “Santo, Santo”, que rendeu à dupla um Grammy Latino em 1999) e também se apresentou recentemente nas comemorações dos 25 anos do Só Pra Contrariar. Tem vontade de trabalhar com outros artistas brasileiros? Quais?
Gloria Estefan - Oh, meu Deus, já andei perguntando sobre novos talentos daqui, mas, é claro, eu amo os clássicos. A versão que mencionei que dançamos no nosso casamento, de “El dia que me quieras”, foi a do Roberto Carlos. E também adoro Milton Nascimento, Gal Costa, Simone. Cresci ouvindo cantores brasileiros maravilhosos, como Rosa Passos. Simplesmente amo música brasileira e, como eu disse, já fiz até um disco chamado “Rio”.  Acho que todo músico adora a música brasileira. Ela é muito sensual, muito sexy e o idioma é muito bonito.

Não tenho ninguém em mente especificamente, já trabalhei com muitos cantores em minha vida, já cantei com os Três Tenores, com Sinatra, com Tony Bennett, então se existir uma ideia de alguém com quem eu queira fazer algo... como quando eu cantei com Alexandre, que foi ótimo e eu o adoro... não tenho alguém específico em mente, mas estou sempre aberta a esse tipo de coisa, porque acho que você aprende muito e o resultado final é como um novo filho, com genes de ambos os pais. Então é sempre bom e divertido trabalhar com outros artistas e, por isso, se alguém tiver uma ideia eu adoraria ouvir. Estou sempre aberta a qualquer coisa relacionada ao Brasil.
 

G1 – Existem artistas populares no Brasil, mas que não conseguiram atingir o mesmo nível de sucesso no mercado latino. Você tem algum palpite sobre o motivo? E teria algum conselho para os que quiserem tentar?
Gloria Estefan - Meu conselho é permanecer fiel a quem você é. Acho que você tem que tentar continuar fazendo sempre sua música, algo em que você acredite e ame. Você não deveria tentar se moldar ou fazer algo específico apenas por que quer atingir determinado mercado. Até porque se fizer isso e não for algo que goste, vai passar sua vida inteira presa naquilo. Mas houve um enorme sucesso brasileiro recente no mercado latino, e mesmo nos Estados Unidos, e que inclusive era em português. “Assim você me mata...” (canta). Como era mesmo o nome? (risos). Meu Deus, ele foi um sucesso imenso em todos os lugares. Ele fez realmente essa transição e funcionou. E é só ver também outro grande hit recente, que foi o “Gangnan style”... eu realmente acho que você precisa apenas se manter fiel a quem você é e fazer a música pela qual tem paixão.

G1 – Você já fez alguns trabalhos como atriz e, depois de anos afastada, voltou a atuar no ano passado na série “Glee”. Como foi a experiência? E você pretende voltar em outros episódios, talvez cantando em algum deles?
Gloria Estefan - Ah, eu adoro “Glee”. Foi uma experiência tão incrível! Mas eu realmente não sei o que vai acontecer, porque tudo é secreto e eles nunca te contam. Eu sabia que iria fazer aquela participação havia meses e fiquei esperando... mas só nos avisaram duas semanas antes de eu gravar, porque não deixam os roteiros vazarem. É tudo muito, muito bem protegido. E eu adoraria voltar. E cantar seria ótimo, mas deixa eu te contar que a única razão pela qual eu não cantei da primeira vez foi porque nós sabíamos que eu ficaria em cena por cerca de quatro minutos e queríamos desenvolver melhor a personagem, que era a mãe de Santana (Naya Rivera), e você se lembra de que ela tinha aquele problema com a avó. E todos sabem que sou uma cantora, então não é como com as outras pessoas que você não sabe que podem cantar, como quando Gwyneth Paltrow apareceu e todos ficaram chocados porque ela fez um trabalho excelente. No meu caso, como eu já sou uma cantora, preferimos nos concentrar na atuação durante o tempo em que eu estivesse em cena. Mas sim, seria ótimo poder fazer um dueto com Naya ou cantar com todo mundo. Originalmente nós iriamos fazer um grande número com Ricky (Martin), porque ele também estava na série, mas essas coisas mudam em cima da hora, tudo depende dos roteiristas.

G1 – E você conheceu Cory Monteith?
Gloria Estefan - Sim, eu o encontrei. Ele estava gravando uma cena em um vestiário naquele dia. Mas eu já o havia conhecido antes, porque tinha ido com meu filho, a mulher dele e minha filha até Los Angeles para resolver algumas coisas e fomos convidados a visitar o set, antes mesmo de eu ser convidada a participar da série. E foi então que o conheci, ele estava fazendo uma cena em que contracenava apenas com Lea (Michele) e ele era muito doce, muito gentil. Foi realmente uma pena. É uma grande perda, era um garoto muito talentoso e doce.

G1 – E você pretende voltar também ao cinema? Tem interesse em atuar com mais frequência?
Gloria Estefan - Eu adoraria. As pessoas me enviam coisas, mas só irei fazer algo que faça sentido para mim. E é uma experiência de amadurecimento, fiz um musical comMeryl Streep (“Música do coração”, de 1999), um filme com Andy Garcia, sobre a vida de Arturo Sandoval (“For love or country: the Arturo Sandoval history, de 2000) e foi tudo fantástico. Mas teria que ser o papel certo e é muito difícil, porque em geral são projetos que levam anos para serem feitos... mas nós estamos trabalhando em uma peça para a Broadway, na verdade, baseada em nossas vidas, meio autobiográfica. Estamos muito empolgados com isso. Eu não vou atuar, mas estou trabalhando com o roteirista, ajudando a escrever. Ela não será apenas baseada em nossos hits, mas também estamos compondo músicas novas. Então esse é um grande projeto para mim agora.

G1 – E quem você gostaria que interpretasse Gloria Estefan na peça? Tem alguma preferência?
Gloria Estefan - Sabe, quando essa etapa acabar iremos começar a procurar por artistas no mundo todo. Terão que ser pessoas jovens, porque irão interpretar versões bastante jovens minha e do Emilio, a história começa quando ainda somos garotos, então haverá atores infantis também. E depois alguém para fazer meu papel como adolescente e na faixa dos 30 anos, porque também não dá para mostrar minha vida inteira, seria uma história muito longa e acabaria ficando confusa. Mas iremos procurar e isso provavelmente será transformado em um programa de TV.

G1 – Uma espécie de reality show para encontrar os astros do musical?
Gloria Estefan - Sim, eu adoraria, temos conversado bastante sobre isso. Definitivamente seria uma parte, porque acho que será um processo muito interessante. Essas estrelas terão que ser bilíngues e terão que saber cantar e se apresentar várias vezes por semana. Vai ser algo bem duro.

G1 – E já existe alguma previsão de quando a peça poderá estrear?
Gloria Estefan - Estamos nos mexendo o mais rápido que conseguimos. Mas, mesmo assim, vai levar, no mínimo, dois anos para concluir todo o processo de escrever, preparar as músicas e começar a procurar os atores... Estamos escrevendo agora, mas na verdade temos trabalhado nisso há uns dez anos, então já fizemos muito da lição de casa. E estamos nos dando muito bem com um roteirista, ele é ótimo, já nos encontramos várias vezes e essa parte está andando depressa.