As músicas de Clarice Falcãox já foram ouvidas pelo menos 10 milhões de vezes, segundo a contagem de seu canal no YouTube. A artista de 23 anos, no entanto, nunca fez um show com as canções meio românticas e meio engraçadas que começou a postar há um ano meio na internet. A estreia ao vivo acontece nesta terça-feira (30), no Rio, junto com o lançamento do seu primeiro disco, “Monomania”, no iTunes. Uma semana antes de sair, ainda em pré-venda, o álbum já estava em terceiro lugar no ranking da loja digital.

Clarice não é conhecida só pelas músicas sobre amor exagerado. Ela atua e escreve episódios do “Porta dos Fundos”, grupo de humor que já teve 230 milhões de views no YouTube. Os cinco shows com ingressos esgotados no Solar de Botafogo (com capacidade para 180 pessoas) a intimidam: “Dá um medo danado”, ela diz ao G1 sobre a estreia no palco como cantora.

A filha dos roteiristas João e Adriana Falcão também já fez participações na TV, como a Mariana na novela “A Favorita” e na série “O fantástico mundo de Gregório”, do seu namorado Gregório Duvivier. Mesmo com o sucesso atual de “Porta dos Fundos”, ela também quer seguir a carreira musical a sério: “A piada dura menos tempo que a música. Uma piada contada dez vezes perde a graça; uma música escutada dez vezes, não necessariamente”.

G1 - Os arranjos do disco são os mesmos das faixas postadas no YouTube?
Clarice Falcão -
 Não. Nos vídeos é bem "eu e violão". O CD tem banda. A gente tentou fazer uma coisa minimalista, para a letra ter um destaque. Mas eu queria muito fazer uma coisa com arranjos, instrumentos, para dar um universo para cada música. Como têm o mesmo tema, que cada uma fosse diferente.

G1 - Você disse antes que negociava lançar o disco por gravadora. Por que o lançamento é independente?
Clarice Falcão - 
Estava quase fechado, mas achei que não combinava muito com meu caminho. Sempre tive uma relação direta com o público. Postava o que eu queria, e de repente me vi colocando um intermediário. Comecei a achar que não fazia muito sentido. Terminei decidindo lançar de forma independente, e a princípio digital. Vai ter CD vendido apenas em shows, não em loja.

 

G1 - Você já tem uma turnê planejada?
Clarice Falcão - O show no Rio vai ser o primeiro da minha vida. Já tenho alguns lugares em vista, mas nada fechado. Dá agonia de começar a fechar sem sentir o palco, entender o tamanho, se eu gostaria de fazer um ‘teatrão’ ou não, gente em pé ou sentada. Antes de marcar uma turnê enorme estou tentando me entender no palco. Mas tenho toda a vontade de fazer. Já fiz participações em shows de amigos. Mas estou muito nervosa, ansiosa para fazer isso logo. Em algum momento sabia que ia acontecer.

G1 - Você já se apresentou antes em teatro. Fica muito nervosa? Como acha que será antes do primeiro show?
Clarice Falcão - A banda é incrível, mas está lá com meu nome. Dá um medo danado.

G1 - Há relação entre o sucesso dos seus clipes na web, há dois anos, e o início do “Porta dos Fundos”?
Clarice Falcão - Fui chamada para o “Porta dos Fundos” por causa das músicas. E depois quem dirigiu os dois clipes foi o Ian SBF, diretor do “Porta dos Fundos”. E eles adoram as músicas.

G1 - Com o sucesso do “Porta dos Fundos”, acha que as pessoas podem colocar a piada acima da música? Comprar "Monomania" como se fosse um disco de piadas, não de música?
Clarice Falcão - Espero que não. A piada dura menos tempo que a música. Uma piada contada dez vezes perde a graça; uma música escutada dez vezes, não necessariamente. Quando gosto de uma música, escuto quarenta vezes seguidas. O que eu quis fazer com os arranjos foi deixar a música mais bonita como música, independentemente da piada.

G1 - Você gosta de folk ou as primeiras músicas foram assim mais pela facilidade da voz e violão?
Clarice Falcão - Eu gosto de folk. Gosto de muitas coisas. Mas sim, o violão ajuda. Gravei muito com o que eu tinha. Nunca fiz aula, toco muito para me acompanhar. Para poder compor ou cantar. Terminou que o disco não ficou tão folk, puxou também para MPB, pop.

 

G1 - Sua mãe diz que você foi ninada comChico Buarque e Luiz Tatit. A nova geração brasileira tem influências de MPB, troca guitarra por violão - de Camelo e Mallu aos ‘novos paulistas’ -, mas é mais séria. Por que seguiu o caminho mais debochado?
Clarice Falcão - 
Quando comecei a compor, achei que era diferente que estava se fazendo. Amo Marcelo Camelo, Mallu Magalhães, os ‘novos paulistas’. Eles são muito bons e têm estilos muito próprios, diferentes uns dos outros. E eu quis muito buscar meu jeito, minha personalidade como compositora e cantora. Cada vez que faço uma música eu penso em porque é diferente de outras do mundo. Só termino quando acho que é. Acontece bastante de deixar coisas na gaveta. Ou nem chegar a começar a música porque não achei uma ideia boa o suficiente.

G1 - Você compõe como faz um roteiro? O disco é pensado como de uma personagem só?
Clarice Falcão - 
Não exatamente um personagem com vida, mas é um ponto de vista. Acho que é o ponto de um apaixonado por outra pessoa. E como a gente fica quando está apaixonado demais. É sobre isso, coisa que me fascina em mim - óbvio que uso coisas que já senti ou pensei -, mas muito do que vi outras pessoas passando, ou imaginaria que possam passar.

G1 - Você tem medo de não ser levada a sério como cantora por usar humor na música?
Clarice Falcão - 
Não tenho tanto. Entendo talvez que algumas pessoas não levem. Mas já vi tanta gente que se identifica e sofre com as músicas. A maioria eu criei pensando em histórias tristes, não em humor só para ser engraçado, mas meio a sério. Acaba sendo engraçada um pouco sem querer. Eu já tenho uma visão do mundo com humor, já acho o mundo engraçado. Não preciso pensar numa piada. Essa coisa de falar de amor é tão clichê que eu penso em falar de um jeito novo, um pouco estranho e esquisito. E o humor vem de reverter a expectativa.

 

G1 - Quais são seus ídolos na música?
Clarice Falcão - 
Luiz Tatit, Chico Buarque, da galera nova amo os ‘paulistas’, Mallu, Camelo, Tibério Azul, Silva. O Silva canta no meu novo disco uma música inédita, “Eu me lembro”. Acho que estamos num bom momento da música brasileira. Gosto também do Cole Porter, de ter uma ideia para cada música, de um jeito muito diferente, ninguém consegue até hoje falar como ele. Minha banda favorita se chama Magnetic Fields, também tem isso de cada música ser um universo único.

G1 - E no humor?
Clarice Falcão - Gosto muito da Amy Poehler, uma das melhores atrizes de humor americanas. Faz “Parks and recreation”, uma das minhas séries favoritas. Tina Fey também. Adoro atrizes de humor. Da Kristen Wiig amei o “Bridesmaids” [“Missão madrinha de casamento”]. “The Office”, Steve Carell. “Flight of the conchords” foi cancelado, mas amei as duas temporadas. Adoro as músicas deles, inclusive o Brett fez uma trilha que adoro, do “Muppets”, que ganhou o Oscar.

G1 - Denise Fraga, que lançou um drama, disse ao G1 que hoje a gente vive a “ditadura da comédia” no cinema do Brasil. Você concorda?
Clarice Falcão - Eu entendo o que ela diz. Mas, na minha opinião, o Brasil tem dificuldade de misturar. A gente tem “Tropa de elite”, “Cidade de Deus”, "dramões", e tem as comédias "hahaha" mas vejo pouca coisa que mistura drama com comédia, que é o que eu mais gosto de fazer e ver no geral. Músicas que sejam tristes, mas engraçadas, mas românticas... “The Office” é assim. Para mim é o que falta. Em geral há "comedião", "dramão", "açãozão", e dificuldade de misturar.