Eu não empunho mais bandeiras partidárias ou ideológicas, vermelhas ou azuis, de tucanos ou de estrelas…

09/03/2013 05:43 - Raízes da África
Por Arisia Barros

Um texto cru, lúcido e emocionante de Maju Giorgi, militante da causa gay, é uma mãe com orgulho.


Brasil: sempre na contramão da história

Eu jamais me furtaria a dizer o que penso num momento surreal como este que estamos vivendo. O dia que me lembrarei como o de lesa humanidade. Digam o que quiserem, mensalão e privataria tucana à parte, o STF que aí está, é formado por humanistas e junto com a Comissão de Direitos Humanos eram a única proteção com que contavam as minorias. Hoje tivemos a confirmação do que tanto tememos durante a semana. Acompanhando incrédulos pela mídia que a CDHM seria entregue a Marco Feliciano (PSC-SP), conhecido pelo fundamentalismo, a homofobia, o racismo, o total desconhecimento da causa indígena, da mulher, da pessoa portadora de deficiência ou de causa qualquer que não escrita na Bíblia. Todos esperávamos atônitos que Serginho Malandro caísse do céu gritando “yeeahh yeeahh Pegadinha do Malandro”! Mas isso não aconteceu.
Hoje, de verdade pela primeira vez na minha vida, senti uma profunda vergonha de ser brasileira. Às vezes, escondíamos a informação no subconsciente de que o Brasil foi o último país independente do continente americano a abolir a escravatura, com toda esperança de que iriamos evoluir e que éramos o país do futuro. O Futuro chegou, mas não existe futuro para quem não protege a fragilidade dos seus. O futuro é a soma dos agoras e o nosso agora está maculado. O País do Futuro? O País, que aboliu a escravatura há 125 anos, e que tem todos os negros ainda espremidos na base da pirâmide social? Foi abolida mesmo? As pessoas apontam o Ministro Joaquim Barbosa e dizem cheias de propriedade: ”Se ele conseguiu, todos podem conseguir”. Como se fosse uma banalidade ser a exceção que conseguiu sair do circulo vicioso quase por milagre. Como se começar a corrida na largada quando os outros começam no meio da pista fosse uma coisa justíssima e muito normal. Abolida? Acho que só pra Inglês ver, num país em que a simples menção ao sistema de cotas que já foi feito em inúmeros países do mundo com sucesso em alguns, sem sucessos em outros, mas, onde ninguém rasgou as vestes e foi visto como realmente é: uma tentativa de compensação histórica a um povo que foi escravizado. A tentativa de inserir o povo negro na sociedade com igualdade de oportunidades sem mexer na carteira de ninguém. E quando você diz que é a favor do sistema de cotas o mundo quase cai na sua cabeça. Você é stalinistinha, está empunhando uma bandeira vermelha, tem uma foto de Fidel na carteira e tem tatuado nas costas: “Hay que endurecer, pero sin perder la ternura jamás“. Ou talvez, você apenas não saiba que eles são amaldiçoados por Noé como diz Marco Feliciano. Ou quando você defende que o povo LGBTT tem que ter direitos iguais e cidadania e ser protegido de rotineiros tiros, facadas, lâmpadas ou tortura física e moral, você é um Marxista Cultural.
Não, minha gente, a foto que eu tenho na minha carteira, não é a de Fidel, é a do meu filho, filho este que estou com muita vontade de mandar morar com Luíza no Canadá, porque aqui está sofrido. Meu herói da juventude não morreu de overdose. Ele está aí ainda. Um dia ele representou a esquerda, foi exilado, era perseguido, xingado de comunista vagabundo, maconheiro, ateu e muitas outras coisas mais. Foi uma das vozes mais fortes das Diretas Já, porque para mim, com 16 anos, bem embaixo do palanque no centro de São Paulo, só ouvia a dele e a de Chico Buarque. Foi com ele que inaugurei meu titulo de eleitor. Eu era tão iludida, e ele era sim, meu herói, não morreu de overdose, mas hoje defende a legalização da maconha. Hoje, ele é o retrato maior da direita brasileira. É… nem direito e garantia a herói eterno a gente tem neste país. Eu não empunho mais bandeiras partidárias ou ideológicas, vermelhas ou azuis, de tucanos ou de estrelas… e nem tenho mais heróis, faz muito tempo. Não teria mais paciência para justificar desmandos que não são meus.

Hoje voto contra a homofobia e a favor da laicidade do estado e as únicas bandeiras que empunho são a do Arco-Íris e até hoje a tarde a dos Direitos Humanos, mas a última me arrancaram em prol da governabilidade. Hoje, eu percebi que neste país, minorias nunca tiveram e talvez jamais tenham proteção do Estado. Percebi que a escalada do comércio da fé talvez seja irreversível e que logo, logo, o Taleban vai ser aqui. Que a sociedade é reflexo da cultura do povo, e que aqui é interessante que o povo não tenha nenhuma. Que uma mulher enquanto chefe de estado, não é garantia de sensibilidade ou proteção. Talvez um pouco de machismo da minha parte quando imaginei isso, porque ninguém vive num poço de preconceito e fica imune a ele. Percebi que a última minoria dos direitos individuais talvez tenha que se mudar em massa para o Canadá onde já estão muitos, em paz, casados, adotando e criando seus filhos. Os índios, os que deixaram sobrar, talvez caibam todos num só Conjunto Habitacional, que será construído no meio da Amazônia do lado daquela árvore que ainda não derrubaram e talvez seja entregue em 2016, generosamente ofertado pelo governo federal com apoio dos ruralistas. Mas tudo depende da concorrência das construtoras, das madeireiras, dos fornecedores de marmita etc… Talvez coloquem Jair Bolsonaro na Comissão da Verdade. Talvez coloquem um bode pra cuidar da horta. Tá tudo muito confuso. Eu estou com medo. Eu não tenho a foto do Fidel na carteira. Eu só defendo as minorias. Eu só queria viver em um país de direitos e oportunidades iguais. Meu herói que não morreu de overdose era FHC, e no dia de hoje me sinto aliviada de não ter sido Dilma, mas também… Acho que tanto faria. Teria ganhado mais se meus heróis fossem Janis Joplin ou Frank Zappa. Para o mundo que eu quero descer! Você tem razão em uma coisa, Marco Feliciano, assim como na sua petição: No Brasil, os direitos são “umanos!” Amanhã eu levanto e continuo lutando, hoje eu preciso me reconstruir e ficar corajosa de novo. É verdade mesmo, que colocaram aquele amolador de facas na comissão que protegia meu filho ? Alguém fala que é mentira… alguém avisa… será que Chávez morreu de susto quando soube que Marco Feliciano iria assumir a CDHM.

Fonte: http://colunistas.ig.com.br/mae-pela-igualdade/2013/03/06/brasil-sempre-na-contramao-da-historia/
 

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