O carnaval acabou e Guto continua morto.

17/02/2013 03:45 - Raízes da África
Por Arisia Barros


Os inúmeros e incontáveis corpos dos jovens negros e pobres que são,sistematicamente, mortos, nas favelas, grotas, vielas das Alagoas de Palmares continuam insepultos.
Corpos sufocados pelo descaso estatal, o silêncio midiático e a conivência da sociedade:- Morreu mais um preto da favela? No mínimo deve ser bandido ou estar envolvido com drogas.
Os corpos dos jovens mortos continuam imóveis na fragilidade de sua história. Sem investigação, sem processos, sem resultados conclusivos.
É o silêncio de cova rasa.
O Quilombo das gentes alagoanas aburguesou-se, vendeu-se ao sistema massificador que, cotidianamente, instrumenta: não olhe para os lados.
Não olhamos.
Adaptamos nosso discurso revolucionário a notas de solidariedade que nem mesmo saem no jornal. Só nas redes sociais.
A favela pobre e negra está abandonada.
Somos todos cúmplices da voz estrangulada por esse silêncio opressor.
A questão racial no Brasil transformou-se em motivo de barganha. Órgãos, instituições e etc, etc, etc discutem e discutem e discutem a “problemática” do negro, mas ninguém vai às ruas. Da teoria à prática
Nossa “ruidosa” revolução social vive espremida entre bandeiras partidárias e o socialismo forjado em discursos aprendidos com a conveniente exploração da história negra
-"Somos nós que vivemos aqui"- desabafa o ativista e professor de dança, Denis Angola, os olhos lavados de lágrimas chorando a morte do amigo, Gutemberg Cassimiro Bandeira, o Guto . "Vocês aí de fora não sabem do que falamos. Dessa dor e desse silêncio. "
Ser pobre, negro e favelado no Brasil é estar em navios , não em caravelas.
Negros vieram em navios negreiros. Os colonizadores em caravelas.
Diariamente milhares de corpos mortos de jovens pobres, pretos e favelados são carbonizados pelo faz de conta institucional, pela fome, pela miséria, pelas drogas, pelo racismo numa explosão do apartheid , mas de tão naturalizados o Brasil político não decreta luto por essas mortes.
E quase ninguém chora essas vidas perdidas.
Corpos sem valor social. Corpos sem pátria.
A morte brutal do músico, dançarino e capoeirista, ativista social Gutemberg Cassimiro Bandeira, o Guto, no Conjunto Cruzeiro do Sul,em Maceió,AL, no último dia 06 de fevereiro, com seis tiros na cabeça, provocou reação, dos amigos próximos ao ativista e de grupos nas redes sociais .
E aí chegou o carnaval e dois milhões e meio de pessoas, muitas herdeiras de Zumbi das Alagoas, invadiram as ruas das cidades vizinhas às terras de Palmares, com o projeto de viver, intensamente, os quatro dias da festa :- Ô abre alas que quero passar...
Passada a revolução carnavalesca chegou a hora de arquitetarmos outra revolução, em nome das muitas e tantas vidas , não tão alheias às nossas, devassadas pelas balas "certeiramente" perdidas .
São jovens, na sua maioria, esmagadoramente, pretos, pobres, da periferia e invisiveis, protagonistas dessa mórbida estatística alagoana.
Precisamos ir além das intervenções das redes sociais. Precisamos nos levantar da nossa confortável e internalizada cadeira das gentes espectadoras.
O carnaval passou e Guto continua morto.
Até quando?

 

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