Eu vi o menino morto numa enorme poça de sangue.

10/02/2013 09:52 - Raízes da África
Por Arisia Barros

Eu vi o menino morto numa enorme poça de sangue.
 O corpo mirrado contava uns oito anos estirados no meio da passagem da pressa humana. O menino ainda estrebuchava quando resolveram chamar o socorro institucional, mas, após alguns minutos vitais de espera pela ambulância que demorou a chegar, a vida infante esvaiu-se.
Olhei de soslaio a magra criatura inanimada no chão do asfalto quente e bateu uma tristeza danada por aquele meio metro de vida vazia, de quem viveu tão só e parcamente e já está morto.
A vida do menino morto foi-se embora ao som de uma marchinha de carnaval : Õ abre alas que eu quero passar... Mesmo em vida o menino não ouvia a canção da liberdade carnavalesca.
Vi o menino morto e me senti presa em algumas certezas: a vida da gente é apenas um segundo. Já dizia o grande Oscar Niemayer.
A multidão, com olhares mais ou menos silenciosos, observava a cena como um espetáculo corriqueiro. Ignoravam a enorme violência que significa o corpo exposto de uma criança morta. Assassinada pelo descaso institucional.
 Uma moça que mascava, ruidosamente, um chiclete analisava, cruelmente, o que restou do menino: Ele é tão preto, mas tão preto que a gente só enxerga os dentes.
O racismo, assusta, espanta e fragmenta.
Pouco a pouco a multidão começou a dissipar-se.
E bem ao longe se ouvia outra marchinha: Vou deixar-te agora, não me leve a mal hoje é carnaval...
 

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