Franceses pedem 'folga' às escolas no dever de casa das crianças

29/09/2012 19:29 - Brasil/Mundo
Por Redação

Que atire a primeira pedra quem nunca desejou, durante a infância, ter o total apoio dos pais para deixar a lição de casa de lado. Pois na França, um movimento organizado por membros da Federação dos Conselhos de Pais de Alunos (FCPE, em francês) apelou às escolas uma "folga" de duas semanas sem dever para os estudantes do ensino primário (até a 5ª série do Ensino Fundamental), em setembro.

A reivindicação cumpriria uma circular editada em 1956 no país que proíbe a prescrição de deveres de casa formais - os velhos exercícios escritos e de repetição - aos pequenos. Entre os motivos para o levante, que também encontrou apoio na Espanha, estão a falta de provas concretas sobre a eficiência das lições para o aprendizado das crianças e a alegação de que a prática contribui para acentuar as diferenças pessoais e sociais entre os alunos. Acima de tudo, está a ideia de que a criança deve mostrar aos pais o que aprendeu na escola, e não à escola o que aprendeu em casa.

Do outro lado do Atlântico, a bandeira contra o dever de casa, levantada por críticos como o cientista social Alfie Kohn e a advogada Sara Bennett, autores de livros sobre o assunto, é uma polêmica que gera discussão desde longa data nos Estados Unidos. Os americanos vão mais longe ao afirmar, com base em estudos realizados em universidades como a Duke, que a lição durante o ensino primário não melhora significantemente o aprendizado, além de sobrecarregar o aluno, afetando o desempenho em sala de aula - o que poderia explicar a pontuação atingida pelos EUA no Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), inferior à de países como o Japão e a Dinamarca, onde a prescrição de tarefas para casa é mais moderada. Em 2004, uma pesquisa feita com quase 3 mil crianças pelo Instituto de Pesquisa Social da Universidade do Michigan também indicou que o tempo dedicado à atividade cresceu 51% desde 1981.

Apesar disso, os especialistas ressaltam que ainda não há um consenso científico acerca da influência do dever sobre o desempenho do aluno. "Existem vários estudos apontando que escolas que passam dever de casa e alunos que fazem a lição tendem a ter melhores resultados. Mas uma coisa é haver uma correlação e outra é haver relação causal. Isso é consequência do dever em si ou de um conjunto de condições nas quais ele está inserido?", pondera a professora Tânia de Freitas Resende, da Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Tânia acrescenta que elevar a experiência de uma instituição ou grupo de alunos a proporções nacionais é arriscado, pois as políticas de prescrição de tarefas variam entre as escolas de um mesmo país.

Por outro lado, os argumentos dos franceses parecem razoáveis levando-se em conta a predominância do turno integral entre as escolas do país, uma modalidade que ainda está engatinhando no sistema educacional brasileiro.

"No caso de uma escola de meio período (de quatro a cinco horas, comum em boa parte do Brasil), a lição é muito importante, porque vem ao encontro do nosso sistema de memorização, que precisa de uma reverberação do conteúdo", explica Wagner Sanchez, diretor escolar do Colégio Módulo (SP). Já no turno estendido das escolas integrais, que dura em torno de seis horas, Sanchez acredita que o trabalho de revisão é responsabilidade da própria instituição, onde o aluno dispõe de mais tempo para absorver o conteúdo e tirar suas dúvidas junto aos professores. "Fora da escola, ele vai praticar esportes, fazer uma língua estrangeira, conviver com outras pessoas. Ele também precisa ter um pouco de lúdico, de outras atividades", comenta.

Reformulação necessária
De fato, os membros do FCPE afirmam não se manifestar contra o dever em si, mas contra o fato dos alunos levarem para casa tarefas longas e trabalhosas que serão realizadas após um dia inteiro de estudos e, muitas vezes, requerem a assistência dos pais, a qual nem todos os alunos têm acesso. "É claro que algum tipo de acompanhamento é importante, mas as lições deveriam ser planejadas e prescritas de forma que um acompanhamento tão próximo não fosse um pressuposto", diz a professora Tânia de Freitas Resende.

Além dos pais com extensas jornadas de trabalho, condições socioeconômicas desfavoráveis também podem contribuir para que a lição de casa torne-se um dever chato de cumprir. Nesse sentido, a mobilização propõe a adaptação das tarefas escritas a um novo modelo que demande menos tempo de execução e seja mais atrativo aos próprios alunos.
Se, por um lado, existem famílias que questionam o dever de casa, por outro, a concepção de que o caderno cheio de anotações e a pasta com muitas folhas de exercícios mede a eficiência do ensino ainda é viva para muitos pais. "Muitas vezes são secundarizadas atividades que também são muito importantes, como a leitura e a pesquisa", afirma Tânia.

Foi o que percebeu Márcio Valério, educador do Sesc (SP) e pai de dois alunos do ensino fundamental da Escola Marista Nossa Senhora da Glória (SP), ao pesquisar colégios para matricular a filha Sofia, de sete anos. Segundo ele, as escolas visitadas ofereciam o mesmo modelo tradicional de ensino, que é pouco atraente às crianças, e isso se reflete na relação com o dever.

"Se mesmo os conteúdos fossem passados de uma forma mais estimulante, as crianças poderiam começar a ter gosto por aprender, por novos conhecimentos", diz Valério. Enquanto a adaptação do ensino em sala de aula é um projeto para longo prazo, não é necessário tanto tempo para solicitar atividades diversificadas para casa, que facilitem ao aluno entender o que está sendo estudado. "Se o aluno tiver uma dificuldade e você não conseguir passar o conteúdo por outro ângulo, ele vai continuar não entendendo", explica Wagner Sanchez, do Colégio Módulo.

Há, ainda, as vantagens para o vínculo entre colégio e família: além de fixar os conteúdos escolares, Valério acredita que o dever possibilita aos pais acompanhar o desenvolvimento dos filhos. "Às vezes, o professor não consegue detectar as dificuldades de todas as crianças, e o pai, acompanhando a lição no dia a dia, tem mais chances disso até para comunicar a escola caso esteja havendo alguma falha", explica.

O administrador de empresas Claudio Carvajal, 37 anos, concorda e pensa que a filha Juliana, estudante da 2ª série do Colégio Paulista (Copi), poderia se interessar muito menos pelo dever se a execução dos trabalhos não fosse valorizada em casa. "Isso depende de como os próprios pais encaram a lição. Acho que se não tiver incentivo da família, o dever pode ficar só na obrigação", opina.

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