Após 7 anos, bairro londrino ainda lembra morte de Jean Charles

21/07/2012 12:20 - Brasil/Mundo
Por Redação

A morte do brasileiro Jean Charles de Menezes, em 22 de julho de 2005, ainda é lembrada por quem passa por Stockwell, bairro residencial de classe média situado na região sul de Londres. Seja na entrada da estação do metrô onde o eletricista foi alvejado com diversos tiros na cabeça por policiais da brigada anti-terrorista da Scotland Yard, ou na lembrança de moradores dali, a tragédia que completa sete anos neste domingo marcou uma região considerada tranquila dentro da agitada capital inglesa.

"Uso o metrô todos os dias, e em muitos momentos, penso no que foi tudo aquilo, e especialmente para a família de um jovem que morre de forma inocente e tão estúpida. Certamente, nosso bairro ficou mais triste depois daquele dia", afirma o arquiteto Hugh McVille, 42 anos, em frente ao painel com a foto do brasileiro que lembra as circunstâncias de sua morte e pede justiça para o caso.

Steve Hill, jardineiro de 37 anos que mora no bairro desde que nasceu, lembra que a rotina pacata na região foi completamente quebrada naquele dia. As primeiras notícias que corriam era de que havia ocorrido um atentado terrorista na estação de metrô, e que o suposto criminoso havia sido morto.

"A cidade estava num ambiente de muita tensão, devido aos ataques recentes. Quando surgiu essa informação, todos procuraram ficar dentro de suas casas, com receio do que poderia acontecer. Somente alguns dias depois as coisas foram ficando mais claras. Era um inocente", relembra.

O cabelereiro Tony Voyage lembra que um temor muito grande se espalhou entre todos os brasileiros da região onde Stockwell está localizada. A primeira informação dava conta de que Jean Charles não teria obedecido à ordem da polícia porque estaria ilegal na Inglaterra. Muitos dos brasileiros por ali, segundo Voyage, estavam em situação irregular e temiam ser procurados pela polícia durante a investigação.

Assim como Tony, dono de um salão de cabelereiros, muitos brasileiros circulam e residem por aquela região. Não é difícil encontrar restaurantes com anúncios em português e brasileiros conversando nas ruas. Éverton Rodrigues, motorista de 32 anos, diz ter conhecido Jean Charles em um bar em Stockwell, três meses antes de ele ser assassinado brutalmente no metrô. Segundo ele, Jean Charles era um sujeito tranquilo, que falava pouco.

"Ele era na dele. Um amigo em comum nos apresentou, e conversamos um pouco naquele dia. Nos encontramos depois algumas vezes, mas apenas de passagem. Não acreditei quando soube que ele tinha morrido no metrô, e, inicialmente, apontado como terrorista", relata.

História do brasileiro foi parar no cinema
Mineiro de Gonzaga, Jean Charles tinha 27 anos e vivia na Inglaterra há três. Ele foi confundido com um terrorista árabe suspeito de participar das tentativas de ataque a ônibus e estações de metrô em Londres, que foram impedidos pela polícia. Duas semanas antes, um atentado a bomba no metrô londrino havia matado 56 pessoas, incluindo quatro terroristas. A polícia inglesa alegou que Jean Charles não obedeceu a ordem para parar dada pelos guardas que o seguiram desde que saiu de casa, em Tulse Hill, até entrar na estação de metrô de Stockwell.

A perícia indicou que o brasileiro levou oito tiros tiros na cabeça. Os policiais que atiraram em Jean Charles, assim como os chefes da Scotland Yard, não foram processados pela morte do brasileiro. As autoridades inglesas consideraram que não houve evidências de que Jean Charles não tenha sido confundido com um terrorista. A Justiça, no entanto, determinou que a família do eletricista fosse indenizada em 100 mil libras.

O episódio deu origem ao filme Jean Charles, lançado em 2009 e estrelado por Selton Mello, que encarnou o eletricista. Para Henrique Goldman, diretor do filme, a morte de Jean Charles quebrou a relação de confiança que a opinião pública inglesa tinha com a Scotland Yard. Ele lembra que a instituição sempre muito admirada e vista como acima de qualquer suspeita pela população britânica, mas o episódio manchou a imagem da corporação

"A tensão e o erro de tudo o que aconteceu são compreensíveis. O que não dá para perdoar é a desonestidade com que a coisa toda foi tratada depois. Manipularam informações, falaram mentiras criminosas", comenta.

Goldman define Jean Charles como um típico representante de um universo de brasileiros que tinham poucas perspectivas no Brasil e saíam do país para ganhar dinheiro no exterior. Ele destaca que esse cenário mudou há mais ou menos três anos, com a crise econômica nos países mais ricos, e pelo avanço econômico no próprio Brasil.

"Esse trágico episódio marcou muito Londres. Ele virou um símbolo, mesmo que a não fosse uma pessoa indicada para isso, já que ele era um cara normal. Ele não merecia ter essa morte tão triste", observou.

Para o cineasta, a sociedade brasileira deveria usar o trágico episódio como exemplo para cobrar uma melhora de conduta de suas polícias, que matam milhares de pessoas por ano.

"Como sociedade, o Brasil tem uma lição a aprender, que é a cobrança que os ingleses fizeram à sua polícia. A mídia ficou atrás, em cima da investigação o tempo todo, Infelizmente, ninguém foi punido", observa Goldman.

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