Um verdadeiro caçador de tesouros. Assim pode ser definido Jerônimo Miranda, responsável pelo garimpo de peças para boa parte dos colecionadores de artefatos de inspiração nordestina. Natural de Atalaia, o marchand já rodou a grande maioria dos municípios alagoanos, revelando novos artistas e divulgando a arte local aos quatro ventos.

A afinidade com o tema vem desde o berço. A mãe era professora de educação artística e, ainda na cidade natal, ele começou a lidar com o artesanato tradicional do Estado. Já em Maceió, para onde veio na década de 1970, se desviou um pouco do caminho: montou uma floricultura, uma loja de arranjos de flores artificiais e, mais tarde, passou a vender antiguidades.

“Não deu muito certo e vi que o que me interessava mesmo era a arte. Voltei para ela e comecei a vender pinturas minhas e de outros artistas. Levava muitos itens para Recife e conheci as galerias de lá. Também vendia por meio de fotos. Tirava as fotografias, comprava dos artistas daqui e levava para fora, inclusive Rio de Janeiro e São Paulo”, conta Jerônimo.

Os objetos eram adquiridos diretamente de artesãos e em feiras de artesanato, das quais o caçador também participava. As primeiras aquisições foram de peças de Josias Saturnino, Geraldo Dantas e Saturnino João, todos de Arapiraca. Depois vieram Viçosa e a própria cidade de Atalaia e não demorou para que o marchand se tornasse também um descobridor de talentos.

A descoberta nem sempre é fácil. “Vou aos povoados, entro nas fazendas, subo e desço serra, me enfio em todo canto. Saio perguntando a um e a outro se conhecem algum artista por ali. Vou realmente caçando às escondidas mesmo, sem me basear em livros ou catálogos. Esse processo é um prazer, mas o prazer maior é mesmo quando encontro algo”, conta o caçador.

Entre os já garimpados por ele estão mestres renomados, a exemplo de Fernando da Ilha do Ferro, João das Alagoas, Sil, Antônio de Dedé, Zezinho e Moacir. Outros, como Petrônio, Gênio Silva, João Francisco, Abelardo, Neno e mestra Irinéia do Muquém, também estão na lista, assim como os de fora – incluindo os famosos Véio, de Sergipe, e Nino, do Ceará.

De acordo com Jerônimo, as peças comercializadas por ele podem variar de R$ 50 a R$ 15 mil. A fama do criador e o valor do artefato, porém, nunca tiveram importância. “Não olho pelo nome de quem fez e nem pelo custo da peça. Nada disso me interessa. Compro pela peça em si, pelo sentimento que ela me passa e pela sensibilidade que vejo no artista”, afirma.

Experiência

A experiência para encontrar as preciosidades veio com o tempo. Um ‘estágio’ com um dos maiores marchands do País, Giuseppe Baccaro – responsável pela venda de nomes como Tarsila do Amaral e Anita Malfatti –, também ajudou no processo. Jerônimo conheceu o mestre por meio da colecionadora e pintora Tânia de Maya Pedrosa, uma das grandes clientes do caçador.

“Nessa época, eu comprava muito ex-votos (objetos, como pés e mãos de madeira, doados às divindades como forma de agradecimento por um pedido atendido). Fui para vários locais do Nordeste para comprar essas peças e a Tânia me comprava muitas delas. Quando ela me apresentou Baccaro, eu estava com uma coleção de 1.600 ex-votos e ele me comprou tudo”, diz.

Ele conta que precisou vender os itens por problemas financeiros e, a partir daí, ficou amigo do hoje ex-marchand. “Levei tudo para Recife de caminhonete e ele se encantou quando viu. Pagou o triplo do que me pagariam aqui. Nos aproximamos e aprendi muito. Ele não era de falar, mais fui vendo o gosto dele, o que era original e o que não era”.

Com o conhecimento, conquistou ainda mais a confiança dos colecionadores alagoanos. Além de Tânia Pedrosa, entre eles estão também o médico Fernando Gomes, o artista Lula Nogueira e a pesquisadora Carmen Omena. Atualmente, ele ainda guarda cerca de 1.500 peças – uma parte na própria casa e outra num sítio alugado apenas para essa finalidade.

Um projeto futuro, no entanto, deve abrigar todas as preciosidades mantidas por ele. Trata-se de um vagão de trem recém-comprado por Jerônimo, que, após a reforma, deve se transformar em uma galeria de arte itinerante, levando os artefatos produzidos pelos artesões alagoanos pelos 102 municípios e também para outras localidades. A ideia é rodar por todo o Brasil.

“Não estudei, mas tenho a vivência do povo e pretendo levá-la para todos os cantos que eu puder. Vou rodar com ele pelo País apresentando nossos artistas. O engraçado é que comecei a comprar essas peças para mim, porque sempre gostei de arte popular, mas me apaixonei tanto que o interesse acabou tomando essa dimensão toda”, conta o caçador de tesouros alagoanos.