O zumbido das abelhas anuncia uma novidade que vem despertando interesse de investidores de várias partes do mundo e que mudou a vida dos catadores de caranguejo e artesãos do interior de Alagoas. A apicultura surgiu como a salvação dos manguezais, que ganhou um aliado no combate ao desmatamento: o homem. Antes quem retirava da lama o sustento, hoje conta com o açúcar do mel para conquistar autonomia.
A apicultura é uma atividade que garante o sustento e autonomia dos catadores de caranguejo, pescadores e artesãos de Alagoas. Hoje, cerca de 100 produtores sustentam as suas famílias com a produção de pólen, mel e de própolis vermelha alagoana, única no mundo com mais de 20 benefícios medicinais.
A própolis vermelha é 10 vezes mais valiosa que a própolis comum, ela é a única no mundo a produzir a isoflavona, que pode combater oito tipos de células cancerígenas e ajuda a combater os radicais livres. Nunca estudada antes, essa variedade de própolis também está sendo investigada quanto a suas propriedades antioxidante, antimicrobiana, antiúlcera e anticariogênica.
Pesca do caranguejo
O caranguejo-uçá, Ucides cordatus, destaca-se como um dos recursos mais explorados no Brasil, ocorrendo desde o Amapá até Santa Catarina. No Nordeste, este tipo de caranguejo é um importante recurso pesqueiro, com elevado valor sócio-econômico, gerando emprego e renda para milhares de famílias que habitam as zonas litorâneas.
Embora a atividade extrativista do caranguejo remote aos primórdios da história do Brasil, as associações de catadores não atuam de forma adequada; a grande maioria dos catadores tem a pesca do caranguejo como único sustento, mas não possui um registro geral e, sendo assim, não podem adquirir a carteira de pescador, praticando o extrativismo na ilegalidade.
Em Alagoas onde a captura se mantém constante, são observados indícios de sobrepesca, tais como: redução no peso e no tamanho médio dos espécimes capturados; aumento do esforço de pesca sem o aumento da captura; e maior dificuldade na captura.
De acordo com o ex-catador de caranguejo, Edvan Moraes, a pesca predatória do caranguejo contribui para a sobrepesca. “É muito difícil hoje os catadores usarem a forma artesanal, de colocar a mão no buraco e pegar o caranguejo. Porque é uma atividade que machuca, e leva um tempo maior. Hoje eles usam a rede, uma modalidade mais prática. Porém, eles não respeitam as fases do animal e eles estão sumindo dos manguezais”, afirmou.
Dentre outros fatos relacionados com o desaparecimento do caranguejo estão a captura e o manuseio incorretos do animal; a estrutura inadequada de transporte; e ausência de regulamentação e fiscalização para a atividade.
Benefícios da própolis vermelha
Em pesquisas recentes e pioneiras, nove pesquisadores de diferentes instituições brasileiras e da Universidade de Rochester, no Estado de Nova York, detectaram atividade antitumoral contra oito tipos de célula cancerosa humanas numa substância nacional, a própolis vermelha. A própolis é uma substância produzida pelas abelhas a partir de coletas na vegetação, sendo assim, pode ter cores e propriedades diversas.
Com grande quantidade de flavanóide, substância que ajuda no combate aos radicais livres, é muito utilizada no rejuvenescimento e na reposição hormonal, por esta razão, vem sendo muito procurada por indústrias farmacêuticas de diversos países. Um dos maiores interessados é o Japão, que utiliza a matéria prima na fabricação de produtos para tratamento bucal, balas, chocolates, cápsulas, entre outros.
Estudos comprovaram que a diferença da própolis vermelha alagoana é devido à localização, próximo mares e lagoas onde ela é produzida. Quando comparada com as demais, a substância alagoana apresenta quatro isoflavonas características e exclusivas. São elas: formononetina, amedicarpina, vestitol e isoliquiritigenina.
A própolis vermelha tem grandes possibilidades de aplicação. Estudos já concluídos mostram que pode ser utilizada em xaropes, uso de cosméticos, como o shampoo da própolis vermelha, que ajuda a combater a caspa, já que a substância combate os fungos, que são um dos motivos do surgimento da caspa e da queda do cabelo.
Pescadores de mel
O agrônomo Mário Calheiros de Lima, coordenador do Cinturão Verde da Braskem, localizado no bairro do Pontal da Barra, em Maceió, não satisfeito com o seu trabalho, resolveu inovar. Muitas vezes ele se questionava o que poderia fazer além desse trabalho. Casado com uma assistente social, o desejo de mudança ficava mais forte, foi quando ele resolveu implantar na empresa o projeto ‘Pescador de mel’.
“Sentia que poderia fazer algo diferente. Não me conformava de ser expectador, foi quando utilizei meus conhecimentos para ajudar o meio ambiente. Sou especialista na área de apicultura e ajudei os pescadores e catadores de caranguejo a serem independentes, a serem ‘pescadores de mel’”, disse emocionado Lima.
O projeto foi realizado no Cinturão Verde e teve uma carga horária de 40 horas semanais. Como a maiorias dos integrantes do projeto tem baixa escolaridade, o curso teve que ser prático. Os novos apicultores aprenderam tudo na prática e dentro do Cinturão Verde.
“Para driblar as barreiras, pensei em um curso prático, e que não precisasse de apostila. Todos os pescadores de mel aprenderam como capturar abelhas, como produzir o mel, e muitos produtos que as abelhas oferecem. Hoje cerca de 100 pescadores tiram o seu sustento da criação de abelhas. É um projeto socialmente justo. Sinto-me realizado por ter ajudado não só esses trabalhadores a sair da miséria, como também ajudo na preservação do meio ambiente”, afirmou.
Hoje, Mário espera que seja concedido um selo de identificação geográfica para a comercialização do produto. “Já encaminhamos o projeto e agora só falta ser liberado o selo de identificação geográfica para que a própolis seja um produto tipicamente alagoano. O selo é como se fosse uma patente do produto”, revelou Mário.
De catador de caranguejo a pescador de mel
A reportagem do CadaMinuto foi até Barra Nova, em Marechal Deodoro, onde mora o ex-catador de caranguejo, Edvan Morais, com a esposa Laurenice e os dois filhos, Eduan e Eduarda. Edvan contou como viveu durante muito tempo da sua vida.
“Teve uma época que eu só vivia da pesca do caranguejo. Tirava R$300 por mês e só dava para comprar os alimentos e apenas o básico. Passei muito tempo sem comprar uma roupa para minha família”, afirmou. Ele ainda conseguiu brincar com a situação. “Tínhamos uma roupa que ia sozinha para missa”.
A virada na sua vida aconteceu depois que conheceu o projeto ‘pescador de mel’. “Participei do projeto, tive muita aula prática. No começo eu cuidava do apiário de alguns japoneses, que já tinham interesse na área. E foi assim que comecei a mudar de vida. Voltei a estudar, passei em um concurso público e hoje tenho duas rendas, a de funcionário público e como apicultor”, afirmou.
Para que os catadores de caranguejos possam ter uma renda de R$300 por mês, Edvan disse que eles fazem a pesca predatória do animal. “Para você pegar o caranguejo de forma artesanal leva muito tempo e você se fere muito, porque você tem que colocar o braço por completo dentro do buraco, e as raízes das plantas cortam. Eu já utilizei muito as redes (material utilizado para capturar o caranguejo, colocam-se cordas no buraco dos caranguejos e quando eles saem ou entram, são capturados), e percebi que os caranguejos começaram a desaparecer”, frisou Edvan, mostrando ainda que desmatava o mangue.
“Fazia um caminho para entrar no mangue e com isso, acabava desmatando. Como não sabia também tirava do caminho a rabo-de-bugiu, a planta que as abelhas utilizam para produzir a própolis vermelha. Hoje, tenho uma responsabilidade social, ajudo a combater a pesca predatória do caranguejo, além de plantar no entorno do mangue”, disse.
O projeto pescador de mel deu uma oportunidade para Edvan mudar não só de vida, mas de hábitos. “Antes eu era um predador hoje eu sou um defensor da natureza”.