O artigo abaixo do jornalista Fernando Paulino me faz lembrar de tantos homens e mulheres negras,do estado das Alagoas, o berço do Quilombo dos Palmares, expressão máxima das lutas históricas pela emancipação negro-africana no Brasil.
Homens e mulheres, com história de luta para contar, mas que preferem, comodamente, aquartelarem-se em cargos mínimos de visibilidade e poder, nas hostes do governo.
Homens e mulheres que perdem a militância social, a tal consciência étnica, por uns míseros reais.
E o governo as mantém ali embaixo da sola do sapato importado. São escrav@s satisfeit@s, como bem o diz George Bernard Shaw: "El hombre sólo puede ser esclavizado cuando es bastante débil para escuchar la razón".
Alagoas a terra de Zumbi está coalhada de militância social comprometida com o governo e partidos políticos.
Aqualtune rezai por nós! E que venham as pedras...
Segue o texto do Fernando...

Ser negro não é necessariamente ser um militante social. Tem gente que prefere o glamour do poder.
Eram os anos 80: os jornalistas do Rio de Janeiro estavam em plena campanha salarial, correndo atrás de suas perdas econômicas, quando José Sarney baixou o Plano Cruzado. Era mais um daqueles pacotes que, em nome de uma tal de estabilização econômica, os trabalhadores sempre se davam mal. As empresas jornalísticas tinham apresentado uma proposta razoável, mas, com base nos cálculos do Plano Cruzado – que tiravam uma média salarial por baixo -, os donos da mídia retiraram sua proposta. Foi o estopim para uma greve histórica dos jornalistas cariocas.
Foi uma mobilização geral. João Saldanha – velho quadro do Partidão, ex-treinador da Seleção Brasileira e jornalista esportivo – se revezou fazendo piquete tanto na porta de O Globo como na do Jornal do Brasil. Haroldo de Andrade – que tinha, na Rádio Globo, o programa de maior audiência do Estado e de perfil reconhecidamente conservador - também parou. Não se tirou uma rádio ou TV do ar, nem os jornais deixaram de circular, mas a população sabia que tinha algo estranho na Imprensa: Programa Haroldo de Andrade sem Haroldo, noticiário encolhido, jornais com menos páginas. Era uma prova de que os jornalistas tinham ido à luta, num movimento histórico.
Nem todos entenderam assim. Houve muita gente boa, porém, que não percebeu que era hora de pressionar o primeiro governo civil pós-ditadura militar e, por isso, precisava de uma pressão social para mudar o País. Até estagiários fizeram greve, assim como profissionais recém-contratados. Foi meu primeiro contato, à meia distância, com Heraldo Pereira, que furou a greve. Hoje, é um dos comentaristas políticos da Globo.
Lembro dessa história ao acompanhar, aqui e ali, essa polêmica – que virou caso judicial – entre os jornalistas Heraldo Pereira e Paulo Henrique Amorim. Na Justiça, Heraldo ganhou Direito de Resposta e uma indenização de R$ 30 mil, que prometeu doar a instituições de caridade. A razão básica da condenação de PHA é que ele chamou Heraldo de “negro de alma branca”. Na argumentação de Paulo Henrique, “negro de alma branca é o negro bem sucedido que não defende os negros – que desmente a necessidade de políticas fomentadoras da igualdade racial e corrobora a tese de Ali Kamel de que o Brasil não é racista”.
Não sei porque lembrei da Glória Maria, que se eternizou como apresentadora do Fantástico, da Globo.
Também nos anos 80, teve um julgamento, no Fórum de Niterói, de repercussão nacional. Imagine: era uma época pré-internet. Sentenças eram escritas à máquina de escrever; era enorme a dificuldade para se tirar uma cópia, ainda mais no Poder Judiciário. Pois bem. Aí o juiz chega para o grupo de jornalistas e diz: “Olha, só consegui tirar uma cópia. Veem aí entre vocês!”. E isso os jornalistas sempre resolveram entre si. Até que surgiu o trator Glória Maria. Tirou o documento da mão de Nasta Álvares, então repórter de O Fluminense, dizendo: “Com licença, eu sou da Globo!”. Nasta reagiu: “E eu sou Nasta Álvares, do Fluminense. Passa essa papelada pra cá!”. Glória teve que recuar. Vale lembrar: Nasta também é negra.
De outra vez, estava eu participando de um congresso de jornalistas em Cuiabá e um grupo de lá veio falar comigo:
- Pô! Vocês do Rio não têm como falar com a Glória Maria, não? A gente aqui vem, há muito tempo, organizando uma oposição à família Siqueira Campos, que, há décadas, manda e desmanda em Mato Grosso. E aí, agora, em pleno horário eleitoral, quem chega aqui, contratada a peso de ouro? A Glória Maria!, disseram.
Cheguei a ver a propaganda eleitoral de Siqueira Campos, na TV local: “Gente, sou eu mesma, Glória Maria, do Fantástico! Meu título eleitoral é do Rio, mas se eu pudesse votar aqui, meu voto seria do Siqueira Campos. Então, eu peço pra vocês votarem nele!” – e por aí ia.
Como se vê, ser negro não é necessariamente ser um militante social. Tem gente que prefere o glamour do poder.
Seria importante a Cojira do Rio – Comissão de Jornalistas por Igualdade Racial – vir a público e informar: Heraldo Pereira e Glória Maria, por exemplo, são – ou foram – engajados em lutas pela democratização da mídia ou de combate ao racismo? Desconheço.
Fernando Paulino – Negro, jornalista e militante social