Em 2009, Ritchie celebrou seus 25 anos de carreira com "Outra vez", CD e DVD gravados ao vivo com releituras de seus grandes sucessos. Agora, o cantor inglês promove uma viagem ainda mais profunda ao passado com "60", álbum que chega às lojas nesta terça (6), mesmo dia em que o músico britânico completa 60 anos.

Primeiro trabalho de carreira todo cantado em sua língua nativa, o novo CD resgata pérolas norte-americanas e britânicas dos anos 60, como o próprio Ritchie explica. "Foi a década que fez com que eu quisesse me tornar músico profissional. Selecionei aquelas canções que marcaram minha adolescência e pré-adolescência", disse o cantor, nascido Richard David Court.

No repertório, nada de obviedades: não há faixas dos Kinks, Animals, Beatles, Beach Boys ou Rolling Stones. Apenas faixas obscuras e menos conhecidas, como "Don't let the sun catch you crying", de Gerry & the Pacemakers (uma das maiores influências dos Beatles); "If you could read my mind", de Gordon Lightfoot; e "Summer in the city", do grupo americano The Lovin' Spoonful, boa parte delas com arranjos orquestrados.

"As músicas contam uma história que, de certa forma, é a minha história também. São canções com as quais me identifiquei, porque elas falavam muito da minha realidade naquele momento. Ou falam de uma realidade em que vivo hoje em dia", justifica Ritchie.

O cantor britânico recebeu o G1 em sua casa, na Zona Sul do Rio, e falou sobre o novo trabalho, do sucesso que "Menina veneno" ainda faz quase 30 anos depois de seu lançamento e como quase deu fim à própria carreira nos anos 90.

G1 — Como surgiu a ideia de gravar este disco?
Ritchie — Inicialmente o plano era fazermos um álbum acústico. Mas fomos adiando a data. Meu aniversário de 60 anos começou a se aproximar. Então essas coisas da década de 60, meus 60 anos e o dia 6 de março acabaram conspirando a favor. E decidi lançar um disco sobre a década de 60 no dia em que completo 60 anos.

G1 — Por que o repertório somente com canções deste período?
Ritchie — Foi a década mais marcante, que fez com que eu quisesse me tornar músico profissional. E minha ideia não era chover no molhado, com covers que todos sabem cantar no chuveiro. Tenho asco desse tipo de disco. Acho um horror. Então, das 154 músicas que selecionei originalmente como minhas prediletas dos anos 60, conseguimos reduzir a apenas 15. Escolhi aquelas que marcaram minha dolescência e pré-adolescência. E não há Kinks, Animals, Beatles, Beach Boys, Rolling Stones. Nada disso. São invariavelmente canções que eu ouvia nas rádios piratas da Europa, como a Radio London, Radio Caroline e Radio Luxembourg. Nelas a gente ouvia coisas completamente diferentes do que rolavam nas rádios oficiais.

As músicas todas contam uma história que, de certa forma, é a minha história também. São músicas com as quais me identifiquei, porque elas falavam muito da minha realidade naquele momento. Ou falam de uma realidade em que vivo hoje em dia. "Summer in the city" (do Lovin' Spoonful), a música de abertura, tem tudo a ver com o Rio de Janeiro, por exemplo. Ainda mais nessa época do ano.

G1 — E por que arranjos orquestrados?
Ritchie — Quando começamos a chegar no repertório final, meu produtor comentou: "Você percebeu que todas essas músicas têm orquestra? Como vamos fazer?" Inicialmente eu não estsva pensando em gravar com orquestra, e sim em outro tipo de abordagem. Além do mais, imaginava que aquilo tudo fosse muito fora do meu alcance como produtor independente. Mas, quandoi fizemos a conta, vimos que não seria tão mais caro assim trabalhar dois ou três dias com uma orquestra dentro do estúdio. Sempre tive paixão pelas orquestras. Sempre quis gravar com uma, mas nunca tive oportunidade dessas durante minha carreira aqui no Brasil. Eu tenho um lado crooner muito forte.

Também buscamos manter uma fidelidade à época gravando com instrumentos analógicos. A "cereja do bolo" foi a masterização nos estúdios de Abbey Road. Eu estou muito feliz com o resultado, acho que é um dos melhores discos que eu já gravei e certamente um dos mais caprichados em termos de som.

G1 — É também seu primeiro disco todo em inglês, não?
Ritchie — Sim, eu redescobri a minha voz. Porque estou há 40 anos no Brasil sem cantar na minha língua nativa, com algumas exceções. E foi tão mais fácil. me fez perceber o quanto é difícil cantar em português e como minha voz se encaixa melhor em inglês. E redescobrir isso agora foi um prazer imenso. As poucas pessoas que ouviram o disco até agora têm feito comentários lindos. Espero que isso continue entre meus fãs e que eles possam apreciar o disco mesmo sendo numa língua estrangeira.

G1 — Há previsão de lançamento em vinil?
Ritchie — Já estou com o master do vinil pronto, que também fiz em Abbey Road. Dependendo da demanda, vou prensá-lo em edição limitada. Mas não agora, vou aguardar mais ou menos um mês. Acho que este disco em vinil tem tudo a ver com o repertório.

G1 — Você afirmou numa entrevista que queria compôr pelo menos uma música que se tornasse inesquecível. Conseguiu isso com Acha que conseguiu isso com "Meninia veneno"?
Ritchie — "Menina veneno" tem um vida muito longa. Quando eu e Bernardo Vilhena a compusemos, pensamos: "Serão três meses de vida." Quase 30 anos depois, as pessoas ainda comentam sobre ela. E me perguntam no Twitter o que é o "abajur cor de carne" (risos). Ela ainda toca na rádio. Entrou na programação da vida das pessoas. A música é uma bobagem. Tem um refrão bonitinho, uma letra esperta, mas ela teve uma identificação nacional enorme. Já foi gravada como embolada, funk, pagode, forró... E também toca no mundo inteiro. O Léo Jaime me falou que já a ouviu no Burger King do Piccadilly Circus (na região central de Londres), em português, comigo cantando. Em Angola, descobri que virou tradição os casais caminharem até o altar, durante o casamento, ao som de "Menina veneno". Foi incrível. Me abriu os olhos e me fez perceber que não é algo apenas local.

G1 — "A vida tem dessas coisas" foi ainda mais executada nas rádios do que "Menina veneno", não?
Ritchie — Sim, é uma música mais brasileira. Tem um quê de gafieira, chorinho. Minha intenção era que ela fosse tocada com pandeiros. Surgiu com o respaldo do sucesso do LP "Voo de coração". Ela talvez não tenha tido o impacto de "Menina veneno", mas foi uma música de enorme sucesso nas rádios. Tocou muitíssimo. Foi um momento especial. Foi meu primeiro disco, fruto de muitos anos filtrando canções. Quando estreei com aquele disco, ele já vinha com uma carga emocional de muitos anos de preparação. E é um álbum o muito bem gravado por Carlos Eduardo de Andrade, produtor que me acompanha até hoje.

G1 — Você chegou a declarar em uma entrevista que pensou em desistir da carreira dos anos 90...
Ritchie — Naquela época eu ainda dependia muito das gravadoras. Em 1989, na época do Plano Collor, lancei o disco "Sexto sentido". Foi um álbum que teve um ano e maio só de pré-produção. Me dediquei de corpo e alma a ele. Resultado: a gravadora fechou as portas e o disco foi retirado das lojas. E, no Brasil, você vale o quanto vendeu seu último trabalho. Não importa se seu primeiro álbum vendeu 1,2 milhão. Se o mais recente vendeu 6 mil, é esse o seu valor. Ninguém quer saber. Então fiquei muitos anos sem gravadora. E nos anos 90 comecei a me afastar. Ainda não existia a internet nem a revolução do mp3. Mas me interessei pelo assunto e passei a me dedicar a isso. Cheguei a virar programador de java script da Beatnik, do músico, produtor e inventor inglês Thomas Dolby nos EUA. Mas eu adorava. Também sonorizei meu site e o do Lulu Santos, e trabalhei no site Vitrola Virtual, entre outros trabalhos. Aprendi as ferramentas, foi muito bacana. E voltei em 2002, com o disco "Alta fidelidade". Fui convidado pelo produtor Rafael Ramos, que na época estava lançando a Deckdisc.

G1 — Com o avanço da tecnologia e a popularidade da internet, acha que este é um bom momento para quem vive de música?
Ritchie — Nunca houve um momento melhor. Se você conseguir criar um website e mexer nas redes sociais, se mantém praticamente sozinho. Hoje minha gravadora sou eu. Uma nova revolução acontece dentro da música. E acho que a gente tem uma chance.