'Voz de mulher' é o único elo com Ney Matogrosso, diz Filipe Catto

27/01/2012 05:53 - Coluna pop
Por Redação
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A voz aguda que salta aos ouvidos é o que mais chama a atenção de quem ouve pela primeira vez o disco "Fôlego", lançado no ano passado. É também o que leva muita gente a comparar o dono da obra em questão a Ney Matogrosso. Mas, apesar de não deixar de ser verdade, a semelhança está longe de definir o artista em ascensão que é Filipe Catto, gaúcho de apenas 21 anos.

Afinal, ele mesmo afirma que suas principais influências vêm de nomes como Jeff Buckley, Antony Hegarty (do Antony and the Johnstons), Cássia Eller e Elis Regina. E que compará-lo a Matogrosso, que "não é uma referência", é algo "raso". O cantor, porém, entende o que dizem por aí. "É uma questão de tempo, depois isso passa. Lancei o disco só há quatro meses, como querer que não me comparem com Ney Matogrosso sendo que tenho voz de mulher? Impossível", disse, em entrevista por telefone ao G1.

A "voz de mulher", no caso, tem nome: ele é contratenor, definição do cantor masculino adulto cujo timbre vocal é muito agudo, lembrando o do sexo feminino. Catto também escreve suas próprias músicas. Mas, entre as 15 canções de "Fôlego" - a maioria de sua autoria -, vale destacar uma versão classuda de "Garçom", de Reginaldo Rossi, e canções de Arnaldo Antunes, Apanhador Só, Nei Lisboa, Cachorro Grande e Zé Ramalho.

G1 – Quando você descobriu que sabia cantar? E que gostava de cantar?
Filipe Catto – Não sei, acho que foi quando saí da barriga da minha mãe. Meu pai é músico, então não foi uma coisa que teve um evento sobrenatural na minha vida. Comecei a ver meu pai cantando e entrei na onda junto. Meu pai tocava profissionalmente e eu já gostava de cantar desde pequeno, mas gostava por não saber tocar violão, então tinha que me expressar de alguma forma.

G1 – O que você ouvia em casa quando era criança?
Filipe Catto – Ouvia o que meus pais ouviam. Minha mãe gostava muito da Marina e meu pai da Elis [Regina], da Janis [Joplin] e de Pink Floyd, Led Zeppelin, dos Stones e dos Beatles.

G1 – Quem são seus cantores e cantoras preferidos, que te inspiram?
Filipe Catto – São muitos. Na verdade, o que mais me inspira dentro da música é a entrega das pessoas, que se emocionam cantando. Acho que as pessoas mais importantes da minha formação na música brasileira é a Cássia [Eller], a Elis e o Milton [Nascimento]. Fora esses tem a [Maria] Bethânia, PJ Harvey, Antony, do Antony and the Johnsons e por aí vai.

G1 – Acha então que às vezes vale mais a interpretação e a entrega do que uma técnica apurada?

Filipe Catto – Acho que é um porção de coisas, na verdade. Na questão da técnica apurada, existe todo um processo na formação do artista. Parece um joguinho de RPG, a gente vai conquistando fases. Então, quando você começa a cantar existe a demanda um pouco maior pela técnica. Você tem que aprender a colocar a voz. Isso passa por tudo, da questão técnica até o repertório. A técnica só é boa quando ela está tão bem inserida dentro de você que você se esquece que ela existe. Saber como a voz funciona ajuda a não ficar pensando na hora de cantar porque, se você pensa, aí "fodeu". Vira um robozinho. Agora se você consegue fazer isso sem ficar preso à técnica, aí é maravilhoso, você pode se entregar à música e à interpretação. A técnica vira uma coisa natural. Mas, é mesmo uma questão de hábito.

G1 - As comparações com o Ney Matogrosso incomodam? Ele é uma influência pra você?
Filipe Catto – Não é, mas não me incomoda. Porque ele é um grande artista, um cara genial. A questão é que tudo começou quando eu era criança. Tinha uns 12 quando comecei a cantar e eu não sabia que minha voz seria assim. Minha formação musical é muito anterior a esse momento de comparação ao Ney Matogrosso. Minha voz era super aguda, achava que toda criança era assim. Nunca me referi a ele, nunca cantei as músicas dele. O Ney começou a surgir nas comparações porque acho que é a única referência que as pessoas têm e ele é um cara genial. Mas não é uma referência pra mim.

G1 – A comparação acontece especialmente por você ser contratenor. Não acha chato só citaram ele pra falar de você?
Filipe Catto – É isso. É a única referência, então fica uma coisa meio gasta. Só falam disso. Na verdade teriam várias [referências], o Jeff Buckley, por exemplo, pra mim, é uma referência de como cantar como contratenor. O Antony também. São outros casos, outro tipo de abordagem. Acho que é raso. Mas é uma questão de tempo, depois isso passa. Lancei meu disco só há quatro meses, como querer que não me comparem com Ney Matogrosso sendo que tenho uma voz de mulher? Impossível.

G1 – Você treinou a voz? Fez aulas, coisas do tipo?
Filipe Catto – Fiz muito pouco, na verdade. Fui pra aula de canto e fiquei um tempo fazendo a coisa mais bê-á-bá porque eu era um aluno muito rebelde, então não conseguia ficar ouvindo os professores, então peguei aquilo e comecei a estudar em casa gravando e ouvindo. Ficava no banheiro me ouvindo no chuveiro. Então comecei a limpar tudo o que eu achava ruim e feio. Aos pouquinhos eu fui trabalhando a minha voz. Claro, a técnica vocal e a dinâmica são coisas que a gente estuda a vida toda. Hoje eu estudo no palco e ouvindo as gravações. Quando eu ouço uma coisa que está difícil ou feio, aí eu já não faço mais. É uma evolução constante.

G1 – Quando aconteceu o momento em que você percebeu que sua voz não ia engrossar?
Filipe Catto – Uma vez eu gravei umas músicas em casa e mostrei pra um amigo meu, que perguntou: “quem é essa mina cantando?” (risos). Aí pensei: “não acredito, continua assim?” Não tinha me dado conta. Eu não sabia que tinha voz de contratenor, não sabia nem o que era isso. Aconteceu quando eu tinha uns 17 anos de idade.

G1 – Como é esse processo de escrever as letras?
Filipe Catto – É muito orgânico. É que nem caçar borboleta, tem que esperar ela pousar na rede. A composição é um pouco isso pra mim, a música vem e quando ela vem a questão é a gente estar sempre munido de equipamento e de coisas pra não deixar a idéia ir embora. Mas, não consigo muito sentar com violão no colo e compor. Não é uma questão de disciplina. Parto muito da letra pra compor.

G1 – Foi fácil gravar as músicas do "Fôlego"?
Filipe Catto – Foi uma experiência bastante física, porque o disco foi gravado em pouquíssimo tempo ao vivo dentro do estúdio. A gente quis deixar o ambiente o mais próximo possível do palco, porque eu estranhei muito o microfone, o fone de ouvido, aquela coisa toda, porque eu nunca me ouvi dessa forma e isso muda muito a interpretação. Chegou um momento em que a gente resolveu ligar o PA na sala de gravação e cantar com o microfone de show ouvindo a banda no retorno mesmo. Foi bem "raçuda" a gravação e super espontânea. Apesar da pressão de ser o primeiro disco, eu já estava muito bem com aquele repertório, cantando aquilo há muito tempo. As músicas já estavam bem trabalhadas.

G1 – O disco também traz músicas de outros artistas. Qual é seu tipo de letra preferido para interpretar?
Filipe Catto – Não tenho um tipo de letra preferido. A questão é a música que me toca, tem até mesmo canções que eu escrevi eu não canto em show e não gravo. São momentos. Acho que estou num momento em que quero cantar coisas com um recado mais direto pras pessoas, com uma letra mais um pouco em evidência. Não sou muito racional com esse processo, se a música me emociona, eu começo a entrar nela e aquilo faz sentido por algum motivo, esse é o critério. Um dos compositores da atualidade que eu mais gosto é o Pélico, um cara que estou ouvindo bastante. O Alexandre, do Apanhador Só, é outro que eu destacaria como letrista. E a Bárbara Eugênia.

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