Ela morreu aos poucos juntando as lembranças e os muitos pedaços de passado para colar em uma tela no presente. Não acreditava que teria futuro. Um câncer instalou-se em suas entranhas e ela perdeu o jeito com as palavras. Silenciou por muito tempo, com receio de dividir a dor com outros e espalhar saudades de um amanhã sem certezas, e o silêncio escreveu o quadro de depressão que seqüestrou-lhe o sorriso.
Às vezes um rasgo de riso chegava-lhe aos lábios, logo encoberto pela tristeza.Vivia só consigo mesmo e a oração que orava em um resmungo de fé.
A falta de recursos econômicos alastrou a doença. A doença tirou-lhe os cabelos. A operação tirou-lhe órgãos e atropelou a fé.
A completa fragilidade dos atendimentos dos serviços de saúde pública institucional foi matando-a aos poucos, gotejante como pingo de chuva que incomoda pensamentos.
É duro precisar do SUS nas horas mais delicadas da vida!
Morreu só e muito jovem faz dois dias, mas acredito que a misericórdia divina já a acolheu.
O Pai- como representação da mais pura essência humanizada, na qual acredito, além dos dogmas das religiões- já a pôs nos braços em um acolhimento de ternura: dorme minha filha!
Hoje já é uma intermediária entre a convalescência da alma e a esperança do renascimento.
Hoje ela vive o sentido da palavra reencontro.
E com a cabeça da moça de 42 anos encostada nos ombros, olhos, ainda, lacrimejantes o Grande Arquiteto do universo sussurra baixinho ao seu ouvido: Não tema, minha filha. Dorme em paz!
As palavras fazem eco: passado, presente, futuro.
É a vida!

Raízes da África