Caetano Veloso já gravou cinco DVDs ao vivo na carreira, incluindo o projeto coletivo Doces Bárbaros, com os amigos Gilberto Gil, Gal Costa e a irmã Maria Bethânia. O mais recente deles, foi produzido há pouco mais de dois anos e traz o cantor baiano acompanhado dos jovens músicos Pedro Sá, Ricardo Dias Gomes e Marcelo Callado, batizados de Banda Cê. Num formato muito semelhante ao de 2008, faz novo registro junto do grupo nesta sexta-feira (8), no Vivo Rio, no Rio de Janeiro. Mas o que o motivou a realizar algo tão parecido em um intervalo tão pequeno?

"Este DVD só está sendo gravado por um pedido do meu filho Zeca. Ele acompanhou a parte final da excursão do álbum “Zii & Zie” na Europa. Vendo algumas das apresentações, ele disse: “Pai, você vai fazer um DVD quando voltar para o Brasil?” Eu respondi: “Não. Quando acabar esta excursão, estará encerrada também a carreira do álbum”. Aí ele falou: “Ah, não! Tem que gravar. E vamos fazer", explicou o músico.

Caetano recebeu a reportagem do G1 em sua casa no Leblon, Zona Sul do Rio, para uma entrevista exclusiva onde falou sobre o resultado das eleições, Rock in Rio e as experiências como objeto de um documentário e colunista de jornal.

Ao fim da conversa, o cantor se emocionou ao relembrar o pai do poeta e parceiro Torquato Neto, que suicidou-se em 1972. Seu Heli foi a inspiração para a canção "Cajuína", que faz referência a uma visita do compositor ao homem ainda dolorido pela perda trágica do filho. Coincidentemente, Caetano ficara sabendo da morte do pai de Torquato no dia anterior à entrevista.

"O sobrinho dele me mandou um e-mail avisando. Fiquei triste quando soube que ele morreu", disse o compositor emocionado, antes de homenagear Heli cantando uma versão da música ao violão.

G1 — Você gravou um DVD nos mesmos moldes que este há pouco mais de dois anos. Por que fazer outro em tão pouco tempo?
Caetano Veloso — O DVD só está sendo gravado por um pedido do meu filho Zeca. Ele acompanhou a parte final da excursão do álbum “Zii & Zie” na Europa. Vendo algumas das apresentações, ele disse: “Pai, você vai fazer um DVD quando voltar para o Brasil?” Eu respondi: “Não. Quando acabar esta excursão, estará encerrada também a carreira do álbum”. Aí ele falou: “Ah, não! Tem que gravar um DVD”. E chegou no Rio com essa ideia. Liderou essa onda, pois achou que show era bom demais para não ser registrado.Fiquei contente. Primeiro parecia que não seria possível, mas terminamos topando. E vamos fazer.

G1 — Depois de tocar com Os Mutantes e os argentinos dos Beat Boys nos anos 60, como é voltar a liderar um grupo de rock mais de 40 anos depois?
Caetano — Depois de uma série de discos com muita percussão baiana, naipe de metais e cordas, quis formar uma banda tipo "power trio", núcleo mínimo do rock. Combinei isso com o guitarrista Pedro Sá. Ficamos pensando em como fazer um disco de rock de brincadeira, sem meu nome, como um álbum paralelo e minha voz transformada. Terminamos fazendo como algo meu mesmo. Aí surgiu o “Cê”. Gostei tanto que quis fazer outro, e ainda farei um terceiro. Quero uma trilogia com a Banda Cê. Pedrinho, Marcelo (Callado, baterista) e Ricardo (Dias Gomes, baixista) têm capacidade de execução, inteligência e muito conhecimento de música. Eles vão de Herivelto Martins e Lupicínio Rodrigues até Tiê. Sabem tudo. Quando a gente ensaia, eu tenho as idéias e trago as canções já como um projeto de como quero que sejam executadas ou arranjadas. Descrevo mais ou menos o que quero mencionando referências, e o negócio já sai pronto. É uma beleza.

G1 — Você parece se precupar em se manter contemporâneo, cativando jovens e adolescentes...
Caetano — Sou uma pessoa com a personalidade adolescente. Isso não muda com a idade e se mantém no trabalho. Mas o próprio tropicalismo era ligado ao que se chamava na época de música jovem, desprezada pelo pessoal que fazia música popular brasileira. Mas que nós a adotamos. Elogiávamos o Roberto Carlos, o Erasmo Carlos e a Wanderleia, além dos Beatles. E tudo era considerado música para os jovens. Até 1966, música pop e rock eram consideradas de baixa qualidade mesmo fora do Brasil, era lixo comercial. Com os Beatles, houve uma virada. Hoje fica difícil até de acreditar, pois o rock virou a área nobre da criação.

G1 — Dentro desse raciocínio evolutivo, já sabe qual vai ser seu próximo passo?
Caetano — Não sei. Na verdade, acho que sigo um caminho pessoal muito coerente. Sigo a minha trilha. As mudanças são o modo de me esforçar para me manter na linha. São gestos de defesa da minha coerência. Até poderia abrir mão um pouco disso. Já tenho idade para não ligar mais para essas coisas, mas ainda continuo empenhado.

G1 — No ano passado, chegou aos cinemas o documentário "Coração vagabundo". Que tal a experiência?
Caetano — Coração vagabundo” foi, na verdade, o projeto do DVD do álbum “A foreign sound”, que não chegou a sewr concluído. Aliás, um dos maiores erros da minha carreira foi ter admitido que não se gravasse este DVD. Isso é quase um crime a meus próprios olhos. Porque o registro teria dado a cara certa do que era o projeto. Tem um valor político crucial que ficaria claro se o DVD tivesse sido feito. As pessoas que viram o espetáculo depois de pronto, com orquestra e tudo, contam que ficaram embasbacadas. E só entenderam claramente o que era tudo aquilo vendo o show. E o DVD levaria isso para muito mais gente. Ficaria como um documento que daria força a determinados argumentos essenciais nesse sentido.

No entanto, começou-se a fazer e o Fernando Grostein Andrade foi chamado pela Paulinha (Lavigne, ex-mulher de Caetano) para dirigir o DVD. Ela achou que ele tinha muito talento. E estava certa. Então, ele filmou os extras antes para depois filmar o show. Mas isso nunca deu certo, e terminou não sendo feito. Fernando achou que material filmado até então era bom demais ele achou que daria. Finalmente eu vi o filme e achei que ficou maravilhoso. Ao mesmo tempo que ficou engraçado, também é tocante.

G1 — E o que está achando de ser colunista de jornal (Caetano escreve no Segundo Caderno, de "O Globo", aos domingos)?
Caetano — Sinto prazer. Acho uma maluquice, porque escrevo muito desorganizadamente. Não tiro tempo para escrever, não sou escritor, apesar de ter escrito “Verdade tropical”, que é um livro. Gosto de escrever desde menino. Para escrever bem, você tem que ter uma memória muito boa, porque as palavras têm que vir logo. Se você demora demais a lembrar de uma palavra, perde o ritmo do texto e atrapalha seu raciocínio. Por isso meus textos hoje são mais confusos do que seriam há uns 15 ou 20 anos (risos). Acho curioso, pois apesar da confusão, sinto uma certa alegria em fazer sugestões, mesmo que não estejam muito bem entrosadas com o argumento geral de cada artigo.

G1 — Você declarou todos os seus votos na sua coluna. Dito isso, o que achou do resultado das eleições?
Caetano — Gostei muito. Torci para que houvesse segundo turno para presidente, para que Marina (Silva, candidata do PV) crescesse. Essas duas coisas eram cruciais para mim. E as duas aconteceram. E para que aquele jeito "nós somos a opinião pública", da frase de Lula, não prevalecesse. Isso não é bom. Com isso, o Brasil demonstrou que tem um mínimo da saúde social de que precisa para superar seus grandes problemas. E demonstrou isso de uma maneira mais bonita ainda: dando uma votação expressiva à Marina. Isso diz muito sobre como os brasileiros estão dispostos a se mover. É parecido com a campanha nacional que resultou na lei da ficha limpa. O mero fato de ter acontecido e de ter chegado ao Congresso, é sinal de um amadurecimento da população brasileira. E o crescimento de Marina é um sinal dessa mesma natureza. Algo como: “Olha aqui, tem brasileiro à beça que está percebendo muito bem quem são as pessoas mais dignas e o quanto isso é importante". E que tem coragem de se mover para que o acervo de dignidade que vimos construindo possa se estabilizar e seja protegido.

O 2º turno é uma lição para Lula, para os lulistas mais primários, que supõem que estamos em 1948. Não estamos. Estamos em 2010. E o Brasil lembrou a todos disso. Não há Getúlio, Peron ou Hugo Chávez.

Vamos esperar para ver o que os candidatos desenvolvem para o segundo turno. De minha parte, vou olhar para as duas turmas e ver como eles se comportam. O apoio de Marina talvez possa influenciar, mas não é muito certo que isso vá acontecer. É apenas uma questão de transferência de voto. Marina não é Lula. Talvez a tendência do PV seja apoiar Serra. Já Marina, não sei. Ela era do PT há pouco tempo. Além do quê, depende do que os candidatos e seus programas vão dizer à respeito das questões que são cruciais para ela. Aí ela se decidirá. Depois, tem outra questão: mesmo que ela venha a aderir a um ou a outro, não é tão claro que esses votos sejam transferidos.

G1 — Ano que vem teremos mais uma ediçõ do Rock in Rio no Brasil. Roberto Medina diz que sempre quis apresentá-lo como atração do festival. Você gostaria e participar?
Caetano — Quando me convidaram para o primeiro Rock in Rio, não quis participar. Assistir a todos que pude, inclusive fui para o camarim com Lulu (Santos) numa das apresentações dele em 1985. Também fiquei com o pessoal dos Paralamas no backstage e depois no palco naquele dia glorioso. Mas eu não gostei do esquema, do jeito que a coisa se dava lá dentro. O problema é o esquema. Eu não gosto.

Defendi o rock na época em que ele era lixo cultural. E continuo defendendo hoje, mesmo contra a própria ultrasofisticação que tira o sangue da coisa, a pretensão, uma espécie de soberba e um pouquinho do tom blasé que que acabou ganhando. Mas tem uma coisa que eu não gosto que é uma espécie de caricatura de imperador romano de filme de Hollywood, coisa que as estrelas do rock passaram a fazer. Então vinham aqueles grupos de rock americanos e ingleses com aquele jeito de imperador mesmo. Um negócio chato.

Por exemplo: tinha um festival de jazz aqui. Vinham Herbie Hancock, Chick Corea. Depois dos shows, saíam e tocavam com outros músicos. São puta gênios musicais. Já o rock permite que pessoas que nem têm tanto talento assim fiquem agindo como se fossem um imperador romano, uma bicha autoritária. Mesmo grandes figuras que admiro tanto, como Prince. Não gosto disso. Acho que é um equívoco, um erro. E o Rock in Rio era muito cheio disso.

Prefiro, por exemlo, ir para os Estados Unidos. Lá David Byrne vem cantar comigo ou divide um show. Em Los Angeles, Beck veio tocar comigo. Me telefonou, combinou, subiu no palco espontaneamente e cantou "Maria Bethânia", "Baby" e "Tropicália". Prefiro isso.

No Rock in Rio tive uma atitude violentamente anti-imperialista, mas não tenho ressentimento nenhum. Pelo contrário: tenho admiração pelos Estados Unidos, pelo cinema americano. Acho que eles contribuem para a alegria do mundo. Não tenho competência para me comparar aos grandes músicos americanos, mas já tenho um renome. E o país que eu represento já tem que ser tratado de uma maneira que o Rock in Rio, já naquela época, não podia fazer.

Só participaria do Rock in Rio se fosse uma coisa muito revolucionariamente pensada a partir disso que eu estou dizendo.

G1 — Verá algum dos shows que Paul McCartney fará no Brasil?
Caetano — Não sei. Se eu puder... Ele é bom à beça, é um grande músico. Nunca vi Paul ao vivo, apenas Jonh Lennon. Gostava mais dele. Quando se separou dos Beatles, fez aquele disco “Plastic Ono Band” que, para mim, é um marco, uma lição. É o álbum de um ex-beatles que eu mais gosto. Durante muito tempo, foi um dos meus discos favoritos. E meu trabalho com a Banda Cê tem muito a ver com o “Plastic Ono Band”. E é reduzido ao mínimo, musicalmente falando.