Do alto dos seus 07 anos, o menino com guias no pescoço emudece quando a tia chama atenção da turma que ri um riso lavado de deboche. A turma do menino é formada de outros meninos e meninas como ele e como ele estão entrando na idade da razão.
A tia falou na sala que Deus era único e o único Deus que salva é o da igreja que ela vai aos domingos. Confuso e investido com todas as experiências vividas o menino ao tempo que pergunta afirma: Tia, Olurum não é Deus? Mãe Marcelina diz que Olurum é nosso Deus! E a turma inunda de barulhos a fala-certeza do menino com contas no pescoço.
A tia sente a tensão do conflito. Como explicar uma coisa que simplesmente não conhece?
Segundo Mir,Luís: “As leis muito mais do que o caráter ideológico precisam estabelecer a imagem do estado que responde aos problemas reais da sociedade”.
Como o estado alagoano responde as inquietações do menino e da professora que o conduz no mundo das letras? Mais do que aparência de solução o menino e sua professora , como milhares precisam do efeito instrumental da lei para protegê-los da violência do racismo.
A Lei Estadual nº 6.814/ representa efetivamente a formação de professores e professoras, pesquisa, produção e divulgação de conhecimentos, elaboração de material didático que valorize a herança ancestral negra alagoana construtora de posturas e valores que eduquem cidadãs/cidadãos orgulhosos de seu pertencimento étnico-racial – afro descendentes de povos indígenas, descendentes de europeus, de asiáticos para interagirem na diversidade multicultural na construção de uma nação democrática, em que todos sejam reconhecidos nas suas diferenças, seus direitos e deveres garantidos e sua identidade cultural preservada
A dor profundamente silenciosa rasga o peito do menino com guias no pescoço. Contas que contam a iniciação em um mundo sagrado de conhecimentos. O mundo do terreiro onde aprendeu a professar sua fé.
E quando pensa na mãe o menino pensa na mulher negra,solteira e sofrida que diz todos os dias,como para salvá-los de seus próprios medos, para ele sentir orgulho de ser quem é. A mãe diz que trabalha muito para investir na vida dele para que ele possa ser igual às outras crianças.
Coitada da mãe - pensa o menino -será que ela não sabe que ele não é igual. Que ele já tem mais apelidos do que toda turma junta: negrinho do pastoreio, Saci, Zumbi,cabeça de fósforo,escravinho,projeto de pai de santo,catimbuzeiro e etc e tal.
Uma vez a professora falou para todo mundo que ali ninguém era inferior e todos eram iguais diante de Deus, porque será que ela mudou de opinião questiona o menino com guias no pescoço, em pensamentos intercalados de silêncio e constrangimento.
Se todo mundo é igual porque é que a professora, os amigos, a escola não concordam que o terreiro é minha religião? Nem rezar diferente a gente pode!
A lei Estadual nº6.814/07 estabelece e fomenta um estado de direito, contribui para a consolidação de identidades e vocações políticas de povos e nações.
As raízes da violência futura residem na omissão da sociedade e do estado.
A Lei Estadual nº 6.814/07 ainda é um código fictício repleto de letras mortas.
É micro nosso projeto de nação!

Raízes da África