Já passava das onze da noite quando pude, enfim, conversar com Lázaro Ramos, numa das locações de “Ó paí, ó”, na Cidade Baixa, em Salvador. O dia não havia sido nada fácil e iria varar a madrugada com cenas que o mostravam no alto de um trio elétrico, ao lado de Carlinhos Brown e Luana Piovani, onde imitaria Michael Jackson. Ao vê-lo exausto, protegido de um calor avassalador por um ventilador pouco potente, chego a duvidar de seu desempenho dali a minutos.
Mas, se no coração do também baiano Caetano Veloso acontecia alguma coisa quando ele cruzava uma avenida paulistana, algo muito similar preenche a alma de Lázaro quando ele chega a essa terra de todos os santos, em que nasceu e foi criado como filho único, numa casa de classe média com enorme quintal e onde todos, amigos ou não, o chamam de Lazinho:
— Em Salvador todo mundo é um pouco meu primo. É um prazer estar na Bahia, minha terra, produzindo, trabalhando ao lado dos meus amigos. Costumo dizer que moro no Rio de Janeiro, estou emprestado ao mundo, mas meu lugar é aqui.
É fato que o tempo escasso, fruto de uma carreira de sucesso, já não permite que ele esteja na terra natal tanto quanto gostaria. Mas, pelo menos uma vez por mês, Lázaro aterrissa na cidade. Ao chegar, após visitar os parentes, a primeira coisa que faz é correr até o Teatro Vila Velha, no bairro de Campo Grande, para reencontrar a verdadeira família: o Bando de Teatro Olodum.
— É uma maneira de me alimentar. Você entra numa roda viva de trabalho, faz o filme, a novela, o teatro... É tudo muito rápido. Esse sentimento de teatro de grupo que o Bando tem é de muito valor para mim. É onde administramos as diferenças, que temos de entender o outro. É muito diferente do que vejo no Rio ou em São Paulo. Volto pra casa pensando: “puxa, isso é meu também!”— justifica.
Embaixador das artes
Após quatro semanas, as gravações de “Ó paí, ó” já estão no fim. Hora de se despedir de Roque, o protagonista divertido e safo, que sonha com o estrelato que o intérprete atingiu. Hora também de um “até breve” para os colegas baianos, que pelo menos uma vez por ano ganham projeção nacional.
— Você não imagina a tristeza que sinto quando esses dias vão chegando... Espero uma nova temporada sempre. Uma vez por ano é muito pouco para ver esses atores maravilhosos. O público merece mais — derrama-se o ator, que tornou-se uma espécie de embaixador da arte baiana: — Tenho um amigo pernambucano que diz que baiano não fala mal de baiano. E não deixa de ser verdade (risos). É claro que, às vezes, existem críticas de um profissional a outro, mas geralmente o sentimento é de companheirismo, de admiração. Somos corporativistas mesmo.
Não à toa, quando sai às ruas do Centro Histórico do Pelourinho, por exemplo, volta para o set de gravação com vários CDs debaixo do braço. Todos de gente desconhecida, que, a exemplo de Roque, querem mostrar o seu talento ao Brasil.
— Só em uma semana de gravação, contabilizei oito CDs. Entrego tudo para a Monique (Gardemberg, diretora geral do seriado e produtora musical). Às vezes dá certo. Nessa temporada, teremos no seriado uma música do Cortejo Afro, um bloco tradicional aqui de Salvador.
Sentado na calçada
Além de fazer sua imersão particular no Bando e visitar amigos, Lázaro aponta alguns programas favoritos em Salvador. Coisas que saem do circuito turístico. Ele adora, por exemplo, a vista da Avenida do Contorno, que liga alguns bairros da cidade, banhada pelo azul do mar.
— É onde Salvador é mais Salvador. Quando morava aqui, voltava de ônibus para casa, aquele trânsito... Ficava da janela olhando a vista e já era reconfortante. Ia me acalmando. É um bom lugar para namorar também, viu? — recomenda.
O que ele mais gosta na terrinha, porém, é de uma simplicidade desconcertante para qualquer astro.
— Gosto da rua. Chegar, sentar na calçada e ver o dia e as pessoas passando. Não consigo fazer isso anonimamente, claro, mas aqui as pessoas não têm a postura de fã e se sentem parentes, ficam muito à vontade para contar histórias — diz ele, que já passou por situações inusitadas com os conterrâneos:
— Teve um dia em que cheguei tarde no hotel, estava morto de fome e só tinha um sanduíche. Saí para comer, chegou um cara e disse: “Me dá um dinheiro aí? (imita a voz)” Aí falei, “Brother, deixa dizer uma coisa, estou com fome e vou descer para procurar uma comida. Vamos fazer o seguinte: vou contigo, chego lá, te dou meu dinheiro e você paga meu jantar, minha bebida, meu café e depois fica com o troco, tá bem?” Aí o cara diz, na maior intimidade: “Pô, aí você me quebra né, Lázaro?”. E foi embora sem pagar meu jantar com o meu dinheiro!
Quando diz que está emprestado ao mundo, Lázaro não brinca ou se gaba sem mais nem menos. Pela segunda vez na carreira, vê seu nome na boca das Matildes gringas. Indicado ao Emmy em 2007 — algo como o Oscar da televisão — por Foguinho, de “Cobras & lagartos”, o ator acaba de receber a notícia de que “Ó paí, ó” foi anunciada este ano como concorrente da categoria série. A premiação acontece nos Estados Unidos, no próximo dia 26:
— Ainda não sei se vou estar lá, mas gostaria muito. Adoraria mais ainda estar com meu grupo baiano de teatro, que faz esse programa incrível.
Vivendo a vida
À vontade para discorrer sobre qualquer assunto, Lazinho rapidamente se veste de Lázaro para não tecer comentários sobre a vida pessoal, leia-se, o relacionamento com Taís Araújo. No máximo, elogia a mulher, em cena como a Helena de “Viver a vida”. Até parece que é mineiro, ôxi!
— Tenho acompanhado a novela. As críticas não acompanho, porque não é muito o meu costume. Gosto muito do trabalho de todo mundo, inclusive o de
Taís. Também acho que ela está linda e fazendo o que uma atriz deve fazer, que é pegar uma personagem complexa e contar conforme está escrito — limita-se.
Entre dois Roques
Além do Roque cantor de “Ó paí, ó”, Lázaro vai encarnar ainda Roque Santeiro, no filme homônimo que Daniel Filho dirige no ano que vem.
— Acompanhava a trama de Sinhozinho Malta e Viúva Porcina. Jamais pude imaginar que um dia interpretaria essa história — surpreende-se o ator, que também teve a oportunidade de revisitar um ídolo da infância no seriado: — Pude homenagear Michael Jackson! Sabe qual era o maior acontecimento do ano? Esperar para ver o clipe dele no “Fantástico”. Foi um ídolo para minha geração, assim como Roque é o ídolo para aquela turma dele.
A madrugada começa. Lázaro tem que se montar de Michael. Identifico-o no alto do trio e vejo que estava errada. A energia do moço impressiona. Não faltam gritinhos ou passinhos de \'\'moonwalk\'\'. A plateia de “parentes” vai ao delírio. Lazinho já não está ali. Apenas empresta seu corpo e talento ao baiano que enche sua terra de orgulho.