“Mocidade é tarefa para mais tarde se desmentir.”
A frase acima é de um filósofo que, para mim, rivaliza com Michel de Montaigne – e ambos moram na cabeceira da minha cama. Nem por isso, vou confirmar agora a cria do homem chamado Rosa.
E explico: na minha mocidade, contando da adolescência, fiz coisas ou delas participei que se não são motivos exatamente de orgulho, por parecerem agora imperfeições morais, nem por isso as desminto (no sentido de negá-las).
Por exemplo: como eu gostava de passar trotes ao telefone, assumindo personalidades e personagens que criava, inventava e que se tornavam o meu “eu” de um espaço temporal! Ainda fiz isso na idade adulta, é verdade, mesmo que com muito menos intensidade e mais cautela.
Esclareço, no entanto, que minhas criações não tratavam de provocar crises alheias, com invenções que envenenassem a vida de ninguém - mas não eram tão inocentes assim. Molecagem, sim, mas que às vezes passava do tom do que seria razoável. Afinal, poucas mentiras são, de fato, benignas.
Lembro-me de uma funcionária da antiga Telasa, que atuava, literalmente, como um despertador (você ligava, marcava a hora que queria acordar e, seguramente, vinha o alerta telefônico no exato minuto marcado). Um belo dia, a troco de nada, resolvi exercer a minha veia infantojuvenil de ficcionista ao ligar para ela. Ao invés de marcar uma hora para que fosse despertado, iniciei um desabafo de homem abandonado, numa tragicomédia que fui improvisando e que tocou a dedicada e tolerante trabalhadora.
Daí em diante, quase todas as noites, eu ligava (ela já havia me revelado seu nome) e dava sequência ao triste enredo. Ah, pobre garota! - sofreu “comigo” por horas a fio, numa inocência piedosa ante um impiedoso impostor.
Até que um amigo, a quem eu contara a minha aventura telefônica, resolveu criar a sua própria história. Avançou mais do que eu e marcou um encontro com a jovem. Malvado, chamou-me para conhecê-la, e sem me prevenir, apresentou-me a paciente ouvinte. Disse seu nome, onde trabalhava, e fitou a minha lividez - sabendo exatamente o que havia feito.
Depois, gargalhamos um bocado com o desfecho engendrado por ele. Ali, creio, entendi que não controlamos nem ao menos a ficção – ela própria cuida de si e define o seu destino.
Por que não me tornei um romancista ou um ator, ambos com a possibilidade de me fazer viver muitas outras vidas? A resposta possível: um pouco por timidez, muito pela minha falta de talento.
Isso não impede que eu mergulhe em destinos que não são meus e como se meus fossem, através da literatura ou do cinema. De tal forma eu me envolvo emocionalmente com personagens tão diferentes de mim, suas dores, seus prazeres, que os sentimentos mais profundos me tomam como se a realidade apresentasse a sua conta: para o bem e para o mal.
Inesquecível, para mim, foi a noite em que eu concluí a primeira leitura de “Grande Sertão: veredas”. Levei para a cama o luto de Riobaldo, numa insônia que nem ao menos encontrava as perguntas para a minha perplexidade – quanto mais as respostas. Só o tempo foi capaz de abrandar o sofrimento palpável, à flor da pele.
O aviso, é verdade, estava ali:
- Viver é perigoso.
Mesmo numa vida (bem) inventada.








