Saúde Única, um termo considerado novo no universo da medicina veterinária e zootecnia, mas que vem se difundindo há alguns anos e está ganhando espaço em todos os meios, sejam pesquisas universitárias, ações em escolas e nos veículos de comunicação por sua abordagem que reconhece a interconexão entre a saúde humana, a saúde animal, a saúde ambiental e recentemente a saúde vegetal.
A Saúde Única ou Uma Só Saúde promove a colaboração entre diferentes setores com o intuito de garantir o bem-estar sustentável de todos, bem como o seu equilíbrio. Este conceito é essencial para prevenir e controlar doenças, pois muitas enfermidades infecciosas são transmitidas na interface entre pessoas, animais e ecossistemas, como as zoonoses. Só para citar um exemplo da importância da Saúde Única, temos o caso da pandemia de COVID-19 que reforçou a necessidade dessa visão integrada, onde aborda questões como segurança alimentar, recursos hídricos e a resistência a antibióticos.

O Grupo de Pesquisa Parasitologia e Saúde Única da Universidade Federal de Alagoas (UFAL), que é coordenado pelo professor Müller Ribeiro Andrade, desenvolve ações integradas que envolvem investigação científica, formação de estudantes e atividades comunitárias, articulando saúde humana, animal, vegetal e ambiental. Segundo ele, entre os trabalhos de destaque está o estudo que avaliou a contaminação por parasitos em praças e parques de Maceió (AL), analisando áreas públicas distribuídas pelos oito distritos sanitários da capital. As coletas de solo revelaram elevada presença de formas infectantes de helmintos e protozoários, além de fezes humanas e de animais em quase todos os locais visitados”, explicou.
Andrade disse ainda que a pesquisa, resultado do mestrado de Vitória Sarmento, chama atenção para riscos zoonóticos e para a necessidade de políticas públicas voltadas ao manejo adequado de dejetos, controle de animais errantes e educação em saúde.

As atividades de campo envolveram estudantes do ensino médio vinculados ao PIBIC-Jr/FAPEAL, que participaram das coletas e receberam formação teórica e prática em parasitologia, diagnóstico laboratorial e vigilância em saúde. “Esse engajamento estudantil integra a proposta do grupo de fortalecer a cultura científica local e aproximar jovens da pesquisa aplicada. A equipe também promove ações educativas em escolas e comunidades, com foco em hábitos de higiene, uso seguro de áreas públicas e posse responsável de animais domésticos”, pontuou Müller Ribeiro Andrade.
Pesquisa com fauna
De acordo com o coordenador do Grupo de Pesquisa Parasitologia e Saúde Única da UFAL, outra frente de trabalho envolve pesquisas com fauna silvestre, particularmente com saguis, desenvolvidas pela pesquisadora Patrícia Karla de Luna Magalhães. “Os estudos abordam conservação, saúde de primatas e circulação de parasitos em ambientes de interface entre áreas urbanas, fragmentos florestais e territórios ocupados por populações humanas. A integração entre essas linhas, vigilância ambiental, educação, diagnóstico e conservação, materializa o conceito de Saúde Única ao reconhecer que o bem-estar humano depende diretamente da saúde dos ecossistemas e das demais espécies com as quais compartilhamos o território”, destacou.

Além da medicina veterinária, também há o envolvimento da zootecnia. A perspectiva da Saúde Única tem se consolidado como um paradigma essencial para enfrentar os desafios contemporâneos envolvendo saúde humana, saúde animal e saúde ambiental, além também da saúde vegetal. Nesse contexto, a zootecnia ocupa um espaço estratégico, pois atua diretamente na interface entre sistemas produtivos, bem-estar dos animais, segurança dos alimentos e manejo sustentável dos recursos naturais. O professor universitário da UFAL, Elton Lima Santos, que é doutor em zootecnia pela Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) disse que embora muito comumente a zootecnia esteja associada à produção animal, o profissional zootecnista amplia sua relevância quando o entendimento da sua atuação está integrado ao enfoque transdisciplinar da Saúde Única, contribuindo para sistemas mais resilientes, saudáveis e seguros. “Essa abordagem é especialmente importante em um contexto global marcado pelo aumento das zoonoses, mudanças climáticas, intensificação da produção, pressões ecológicas e vulnerabilidades sociais. A participação da zootecnia na Saúde Única começa pela compreensão dos animais de produção como parte de sistemas socioecológicos complexos. A forma como são manejados, alimentados e alojados influencia diretamente o risco de disseminação de agentes patogênicos, a carga ambiental gerada pela produção e a qualidade dos alimentos consumidos pela população. O zootecnista, ao desenvolver programas nutricionais adequados, boas práticas de manejo, estratégias de biosseguridade e o melhoramento genético de raças animais, contribui para reduzir fatores de risco associados a doenças emergentes e reemergentes. Além disso, práticas que promovem o bem-estar animal reduzem o estresse, melhoram indicadores imunológicos e diminuem a probabilidade de infecções, reforçando a necessidade de alinhar produtividade com responsabilidade sanitária e ética”.
Elton Lima cita outro ponto fundamental que é a gestão ambiental vinculada à produção animal. “A Saúde Única reconhece que o equilíbrio ecossistêmico é determinante para a prevenção de doenças e para a segurança alimentar. Nesse sentido, a Zootecnia desempenha um papel decisivo no manejo sustentável dos sistemas produtivos, seja pelo controle adequado de resíduos, pela adoção de tecnologias de mitigação de gases de efeito estufa, pela implementação de estratégias de conservação de solo e água, ou pela promoção da economia circular no meio rural. Tais práticas protegem a biodiversidade e minimizam impactos ambientais que, quando negligenciados, ampliam a exposição de animais e humanos a agentes patogênicos. Assim, o zootecnista atua como agente integrador entre ciência animal, ecologia e gestão territorial”.
Segurança dos alimentos
Outro eixo central em que a atuação zootécnica se articula diretamente com a Saúde Única é a segurança dos alimentos. Animais saudáveis, bem manejados e produzidos em ambientes equilibrados geram produtos de maior qualidade microbiológica e nutricional. “A zootecnia contribui para isso ao melhorar índices zootécnicos, reduzir o uso indiscriminado de antimicrobianos e quimioterápicos, orientar práticas de criação baseadas em evidências comprovadas e promover sistemas produtivos que valorizem rastreabilidade, a sustentabilidade e a transparência. Diminuir a dependência de antibióticos, por exemplo, reduz o risco de resistência antimicrobiana, tema global de grande preocupação, que afeta tanto a medicina humana quanto a medicina veterinária. Dessa forma, o zootecnista assume responsabilidade compartilhada na construção de cadeias produtivas mais seguras e alinhadas às demandas sanitárias globais”, explicou o professor Elton Lima.

Além disso, a zootecnia tem ampliado seu papel em pesquisas aplicadas, inovação tecnológica e desenvolvimento de ferramentas que fortalecem a Saúde Única. “Tecnologias envolvendo biossensores, monitoramento ambiental, inteligência artificial aplicada à produção animal e sistemas automatizados de acompanhamento sanitário ilustram como o setor pode oferecer respostas rápidas e eficientes a desafios complexos. Um exemplo foi uma pesquisa desenvolvida de forma interdisciplinar na Universidade Federal de Alagoas, sendo coordenada por mim, ao qual estudamos dentro de um projeto aprovado em um edital para pesquisas aplicadas ao SUS, financiado pelo Ministério da Saúde, CNPq e Fapeal, ao qual fizemos um abordagem ampla da saúde única do ambiente aquático em uma cidade litorânea de Alagoas, ao qual um rio servia de fonte de abastecimento para a população residente, os peixes e mariscos eram fontes de renda e de alimento, entretanto era constatado um surto de mortalidade de peixes em determinadas épocas do ano, após investigação não somente sobre a qualidade da água, mas também do solo, da população e até relacionado a saúde mental, foi constatado que as margens de grande parte do rio existiam cultivos de cultura com uso de agrotóxicos que tinham uma grande correlação e incidências de transtornos mentais comuns na população afetada, assim foi ainda desenvolvido um biossensor para avaliação e detecção de agrotóxico para ser avaliado tanto nos peixes capturados quanto na água”.
Nesse sentido, o desenvolvimento de sistemas de produção mais inteligentes, capazes de monitorar parâmetros fisiológicos, ambientais e comportamentais, possibilita intervenções precoces e reduz a ocorrência de surtos. Essa capacidade de antecipação tem valor estratégico em um mundo onde a aceleração das mudanças ambientais e econômicas exige tomada de decisão baseada em evidências.
Para a presidenta do Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Alagoas, Annelise Nunes, a medicina veterinária e a zootecnia têm papel essencial na promoção da Saúde Única, que integra as áreas de saúde animal, humana, ambiental e vegetal. De acordo com ela, fortalecer a atuação nestas áreas é fundamental para garantir uma sociedade mais saudável. “O trabalho dos profissionais de medicina veterinária e zootecnista é contínuo e demonstra a importância deles. Além disso, a população precisa entender também seu papel, isso é essencial para fortalecer práticas que garantam um futuro mais seguro e equilibrado para todos”, finalizou.










