- Passe lá em casa pra gente fazer umas musiquinhas.
Quem fez o convite foi ninguém menos do que o poeta Vinícius de Moraes, um nome então já consagrado da literatura, do teatro e, eis o caso, da melhor música brasileira naquela quadra da vida artística nacional.
O convidado, Baden Powell, era, por essa época, um quase anônimo violonista que encantara o homem das letras e tratou logo de aceitar o convite. Dirigiu-se ao apartamento do anfitrião, onde viveu, dormiu, comeu e, principalmente, bebeu por quarenta dias e quarenta noites - compondo os “Afro-sambas” (1966), obra que se tornou um dos grandes momentos da MPB em todos os tempos.
Concluídas as “musiquinhas”, a dupla demonstrou todo o cuidado que tinha com o corpo e com a saúde, abalada por tanto trabalho: ambos se internaram na Clínica São Vicente, no Rio de Janeiro, que era uma espécie de balneário onde Vinícius de Moraes passava longas temporadas de recuperação e preparação para novas aventuras. Tudo bem: havia também a bebida consumida, mas valeu o custo-benefício, principalmente para nós, os ouvintes de ontem, de hoje de amanhã. Até porque o que envelhece é música ruim, o que os dois compositores não sabiam fazer.
Numa dessas madrugadas etílico-musicais, Baden ficou sozinho ao violão, enquanto o poeta fazia a digestão dos líquidos ingeridos – uísque, conhaque, vinho, champanhe e sabe-se lá mais o quê. Ao acordar, “o único poeta que viveu como poeta”, na definição de Drummond, foi apresentado a uma nova criação do homem das cordas.
Ouviu uma vez, duas, parou e bradou:
- É plágio de Chopin!
Baden, um tipo manso, de fala baixinha, discordou, mas o outro insistiu e propôs um desafio: acordaria a esposa da vez, “especialista em Chopin”, para provar sua tese/reprovação à quase canção, mesmo contra a vontade do parceiro. A boa e tolerante mulher, que já devia estar cansada dessa labuta dos dois artistas/boêmios, se postou ao lado de Baden:
- Não, não é de Chopin.
Inconformado, Vinicius letrou o que se tornou um clássico eterno (condição só dos clássicos) do nosso cancioneiro: “Samba em prelúdio”. Fato é que ele demorou a admitir que esteve chopinianamente errado.
(Três anos antes, o ótimo Johnny Alf, um dos nomes mais talentosos da Bossa Nova, apesar de menos conhecido do que deveria, compôs a sua “Desculpe, seu Chopin”, um samba onde ele identificou similaridade de harmonia e melodia com o genial compositor/pianista polonês. Está claro: denunciou-se com grande prazer, assumindo a origem da sua inspiração já no nome de batismo da cria.)
Mesmo sendo um compositor bissexto, entendo a sensação em momentos de inspiração/execução de que se está cometendo um plágio e como isso vira um sofrimento imensurável naquelas horas. Ainda que você esteja errado, a dúvida há de lhe atormentar por um bom tempo.
Almir Sater e Renato Teixeira, por exemplo, quando eram vizinhos de cerca, fizeram juntos “Tocando em frente”, que ainda será regravada daqui a duzentos anos. Claro, se o Homem não resolver acabar com tudo, tendo Trump no comando do trem suicida que faz força para rumar ao abismo.
O violeiro fez a melodia e, desconfiado, achou que alguém já tinha se antecipado a ele. Teixeira, felizmente, aniquilou a impressão errônea do parceiro e seguiu cantando em frente.
Plágio é um problema sério, gente, caso de justiça. Fagner bem o sabe, com suas cópias “não autorizadas” dos versos de Cecília Meireles em “Canteiros”.
O que caracteriza um plágio na música?
Sequências melódicas reproduzidas ou versos originais copiados sem que seja dado o devido crédito ao (s) verdadeiro (s) autor (es). Quando isso acontece, dá processo e até pagamento de indenização.
Uma das glórias da arte brasileira, Villa- Lobos enfrentou um constrangimento e tanto ao ser processado, em 1939, pelo poeta Altamirando de Souza, que o acusou de se apossar de seus versos na “Canção de amor”, parte das “Bachianas Brasileiras”.
Ainda que tenha provado que a omissão não havia sido intencional e tendo até colocado outra letra – de Ruth Valladares – na mesma melodia, que era dele, o inventor da música clássica brasileira foi condenado a pagar uma indenização pelo magistrado que julgou a causa.
O valor?
Um cruzeiro.
Sensato, esse juiz!
Ricardo Mota








