A usina de narrativas de Chantal Frazão não para de produzir grandes histórias. Depois do sucesso de No Lugar do Morto, seu segundo livro de autoficção, lançado em 2024, mais uma vez a escritora franco-alagoana, imortal pela Academia Alagoana de Letras, coloca sua verve mordaz a serviço da boa literatura, reunindo em Cantando Samba em Paris, crônicas bem-humoradas que prometem divertir seu público leitor.
A obra inédita, publicada pela Editora Matriz, apresenta treze relatos surpreendentes, fruto das vivências da autora em suas diversas andanças pelo mundo, revelando seu olhar arguto sobre a realidade, sua inesgotável curiosidade por outro ser humano e sua comovente capacidade de rir de si mesma. O lançamento de Cantando Samba em Paris será realizado no estande 6, da Academia Alagoana de Letras, durante a 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, no dia 4 de novembro, às 18h30.
Na melhor tradição francesa, Chantal lança mão da comédia de costumes para descrever alguns choques culturais vividos no Brasil, este país que decidiu amar mesmo antes de se radicar em Maceió, quando entoava sambas no metrô de Paris ao lado de Antônio, o amor de sua vida. Aos poucos, a sua “índole esfuziante” foi se adaptando à cultura e ao clima tropical, fazendo-a perceber que “possuía um temperamento muito mais brasílico do que gálico”.
Há uma magia contagiante em algumas narrativas de Cantando Samba em Paris, sobretudo na crônica que dá nome ao livro. No decorrer da leitura, perceberemos que Chantal Frazão está entre aqueles que acreditam que nada acontece por acaso, que estamos todos delicadamente interconectados por uma energia transcendente. Na entrevista a seguir, conheça mais sobre a autora e sua nova obra.

Seu terceiro livro será lançado durante a 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, o Cantando Samba em Paris. O que o leitor pode esperar da leitura de sua próxima obra literária?
Chantal Frazão - Como eu havia lançado um livro, em novembro 2024, com alguns relatos bastante sombrios, resolvi mudar. Eu quis apresentar na minha nova obra textos divertidos e debochados, fugindo completamente do tom melancólico do livro anterior, intitulado No Lugar do Morto. Já que eu havia chacoalhado o leitor, com histórias turvas, decidi brindá-lo com algumas das minhas aventuras mais rocambolescas. São relatos festivos e jocosos que fizeram rir muito as duas pessoas que escreveram as apresentações do meu novo livro: Gilda Brandão, professora de literatura da UFAL, e Patrycia Monteiro Rizzotto, jornalista e publisher da Editora Matriz.
Cantando Samba em Paris também é o seu terceiro título de autoficção, apontando para uma predileção pessoal por este gênero literário. Por que a autoficção? Como leitora, a senhora também aprecia a leitura de livros desse gênero literário? Quais são seus autores favoritos na bioficção?
Chantal Frazão - Alguns escritores escrevem bioficção para vasculhar suas próprias vidas, combinando o livre arbítrio da ficção com a veracidade da narrativa biográfica. Isso lhes permite testificar certa época, compreender percursos individuais, honrar figuras próximas ou criar narrativas profundamente pessoais. A bioficção oferece certa configuração para experimentar a individualidade, as recordações e a natureza da verdade, usando a vida como ponto de partida para investigações artísticas ou analíticas.
Leio obras de bioficção desde minha mocidade na França. Este estilo literário é extremamente apreciado no meu país de origem. Estimo imensamente histórias reais romanceadas. São, acima de tudo, obras escritas com coragem! Aliás, sempre encontro leitores me confidenciando que foram surpreendidos pela coragem que tive ao relatar fatos muito pessoais. Concordo que precisei de muita afoiteza para revelar um abuso que sofri durante minha adolescência, no texto No Lugar do Morto, que também dá título ao livro. Ao me expor à avaliação do leitor, experimentei muitas sensações: o medo da opinião desfavorável, o constrangimento ao revelar situações desconfortáveis e a jubilação quando supero o vexame e que consigo “parir” algo que eu mantinha trancafiado no fundo da alma. É uma sensação inebriante de liberdade!
Leio tantos livros autoficcionais que não posso citar todos. Entre eles, recomendo as obras do escritor Hervé Guibert, que era muito próximo dos filósofos Roland Barthes e Michel Foucault. Ao escrever Ao amigo que não me salvou a vida (1990) e O protocolo da compaixão (1991), Gilbert revela um assunto extremamente “tabu” na época: após ter sido contaminado pelo vírus HIV, ele descreve minuciosamente o avanço da AIDS: os detalhes escabrosos, sua diarreias, suas chagas, sua alma de jovem presa dentro de um corpo de ancião. A obra era terrivelmente chocante, sua leitura mexeu profundamente comigo. Nunca tinha lido livro tão sincero e sem pudor. Hervé faleceu em 1991, quando tinha apenas 36 anos.
Quando ainda vivia na França, li um livro de Marie Cardinale, intitulado Palavras para dizer (Les mots pour le dire – 1975). Nesta obra, a autora descreve sua cura a partir de uma terapia lacaniana e apresenta o tratamento do homem que analisou os meandros da sua psique. Após fechar o livro, eu pensei: “Nunca irei me desnudar dessa forma! Nunca passarei por uma psicoterapia!”. Nessa época, eu tinha apenas 19 anos...
Para escrever bioficções, precisei entrar na terceira idade para juntar muitas recordações de uma vida inteira, que foi bastante atribulada. Tive também que passar por uma psicanálise intensa, com um psicoterapeuta que me recebia cinco vezes por semana, durante cinco anos. Após descortinar minha vida no divã, senti-me pronta para revelar meus segredos para os leitores.
Como vê a opinião de alguns críticos que consideram a autoficção um gênero literário menor?
Chantal Frazão - A primeira pessoa que “me jogou na cara” que a bioficção é um estilo literário menor, foi um literato com PhD. Fiquei pasmada ao ouvir tal impropério. Ainda bem que, logo a seguir, a escritora francesa Annie Ernaux ganhou o prêmio Nobel de literatura, em 2022 – o maior prêmio literário no mundo –, pelo conjunto da sua obra, que é essencialmente de autoficção. Logo em seguida, entrei em contato com o literato para lhe dizer o quanto ele precisava urgentemente renovar seus conhecimentos literários.
Recentemente, o prêmio Goncourt – de primeira obra –, de 2025, foi atribuído a um jovem escritor francês, Simon Chevrier, que lançou o livro Photo sur demande (Foto a pedido). O Goncourt é o maior prêmio literário francês. Pois bem, no seu primeiro livro, o citado autor expõe profundamente sua vida íntima: Chevrier revela que, quando era estudante, resolveu trabalhar como garoto de programa para poder se sustentar. Por meio de uma narrativa confidencial, esse autor investiga relações homossexuais remuneradas, relata a assombração da infecção pela AIDS, examina o hedonismo, os romances frustrados e a dificuldade de revelar sua homossexualidade aos seus pais.
Como é o seu processo criativo? Sendo francesa, é um grande desafio escrever na língua portuguesa?
Chantal Frazão - Não encontro nenhum problema com a língua portuguesa, idioma que adoro e que utilizo diariamente desde minha chegada no Brasil, em 1979. É uma língua fácil de escrever, muito mais simples do que redigir textos em francês. Tenho um imenso prazer quando descubro palavras raras, expressões inusitadas. Quando leio um artigo numa revista, sempre marco com um X nas palavras que desconheço. Depois eu as procuro no dicionário. Amo incrementar meu vocabulário com palavras hiperbólicas. Costumo escrever diariamente, todos os dias gasto algumas horas elaborando rascunhos ou revisando textos já lançados. Por mais que corrija meus escritos e que os apresente para meu revisor, sempre encontro algo que pode ser aprimorado. Sempre!
Quais são seus planos? Há algum novo livro em andamento?
Chantal Frazão – Já estou organizando alguns textos produzidos anteriormente. Acrescentarei novas aventuras, as quais lançarei em um novo livro, provavelmente em 2026. Nesta futura obra, revelarei outras experiências minhas para meus queridos leitores. Já posso adiantar alguns assuntos que desenvolverei: o namoro com Antônio, meu adorado esposo; o passeio em Londres, com uma desconhecida inglesa que me abordou numa loja; a relação conturbada com meu antigo psicanalista; um encontro com OVNIs; o dia em que maquiei uma parente morta, deitada dentro do seu caixão; e outras histórias evidenciando minha atribulada existência. Haverá relatos divertidos, outros tensos, alguns mágicos... enfim, narrativas para todos os gostos.

Lançamento do livro Cantando Samba em Paris, de Chantal Frazão.
Quando: 4/11/25, a partir das 18h30
Local: Centro de Convenções de Maceió, durante a 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas. Estande 6, da Academia Alagoana de Letras.
Mais informações: Patrycia Monteiro (82 99351-5315)










