Uma das principais atrações literárias da 11ª Bienal Internacional do Livro de Alagoas, a escritora Ana Maria Gonçalves, autora do aclamado romance Um defeito de cor (editora Record), se torna, na próxima semana, a primeira mulher imortal da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Em entrevista à Rádio Bienal, a filha do orixá Oxum disse que se “sentia em casa” em um evento que celebra a força das raízes africanas que fazem parte da consolidação da identidade do povo brasileiro. Confira os principais trechos da conversa.  

Como é encontrar leitores em diversas cidades do Brasil?

Eu acho que é o momento em que a gente tem a oportunidade de estar em contato direto com o leitor. De entender o que o livro significa para cada um. E aprendemos muito com essa troca, que, muitas vezes, se transforma num rico material para novas escritas, novos projetos. Então, para mim, é essencial participar de eventos como esses. Estou muito grata pelo convite e viver essa experiência em Alagoas. Como mulher do Axé, estou me sentindo em casa. Sinto uma energia maravilhosa. Viva a Bienal de Alagoas!

O que tem produzido depois de “Um defeito de cor”?

Sou uma escritora lenta; eu sou alguém que gosta muito de pesquisa. De burilar o texto, de deixá-lo descansar e depois volto a mexer nele. Eu parti para escrever para teatro, cinema. Acabei de montar uma produtora de textos e um instituto para trabalhar coisas em termos de literatura. Acredito que, no próximo ano, saiam três livros de uma vez, que estão esperando o momento certo para nascer. Vem muita novidade por aí.

Qual o papel da literatura na reconstrução das narrativas sobre a população negra no Brasil?

A literatura pode funcionar como um ampliador de mentes. Muitas vezes ela cumpre o papel de instruir ou de falar com uma pessoa que outros meios não conseguiram. De mostrar que é possível aprender a lidar com novos mundos, a lidar com novas culturas. “Um defeito de cor”, por exemplo, eu gosto de dizer que é um livro sobre a história do Brasil contada a partir do ponto de vista de uma mulher negra.

O mercado editorial brasileiro está deixando de ser elitizado?

A literatura é uma das artes mais elitistas e durante muito tempo os meios de produção, ou seja, as grandes editoras, os cadernos literários e as feiras literárias ficaram nas mãos de homens brancos do eixo Rio-São Paulo. E eles acabavam promovendo a si mesmos e à sua turma. De uns 15 anos para cá houve um interesse maior em novos públicos e autores. Perceberam que existe uma demanda para o tipo de literatura e para o tipo de assunto que a gente trabalha. O que eu escrevo está dialogando com uma parcela muito expressiva da população brasileira, e o mercado editorial, por questões econômicas, claro, não poderia ignorar esse público. Não porque são bonzinhos, mas para gerar vendas e lucro.

Como trazer os mais jovens para a literatura diante da IA, redes sociais e tantas outras opções virtuais?

É uma concorrência desleal até. É um momento desafiador para os autores humanos, que envolve questões éticas e de autoria que nunca tinham sido imaginadas antes do surgimento da inteligência artificial. São muito tentadoras as facilidades oferecidas pela IA. Mas só a leitura e a escrita das suas próprias ideias emancipam o ser humano. Esse assunto já está sendo discutido na Academia Brasileira de Letras. Por exemplo, eu assinei um contrato com um editor e uma das cláusulas é que me comprometo a não usar inteligência artificial na elaboração do livro que vou entregar.

A literatura brasileira está ampliando o diálogo com povo brasileiro, em termos de uso da língua?

É extremamente necessário esse diálogo. A língua é viva e patrimônio do povo. Nenhuma instituição pode se colocar como dona de um bem do povo, como é a língua, que é viva e sofre muitas mutações devido aos contextos sociais dinâmicos. É preciso prestar atenção na língua que está se falando na periferia, na comunidade LGBTQIA+. O importante é assegurar espaços para todos esses falares e formas de se expressar. Precisamos produzir uma literatura que fale a língua de quem está lendo hoje.