Para os mexicanos que não conheçam o povo brasileiro, há de parecer bastante estranha a maneira como atravessamos o Dia de finados, o 2 de novembro, com seus silêncios e orações. 

Eles também têm o seu Día de los muertos, comemorado na mesma data, só que de maneira bastante diferente. Há de se falar em comemoração mesmo, por lá, seguindo a tradição indígena – asteca e maia -, o que pode durar até uma semana, a depender da região do México em que ela acontece. É festa para valer, com fantasias, muita comida, doces para a meninada, tudo preparado com cuidado e avidez para receber os mortos, que só nesse dia têm autorização para visitar os que por aqui ficaram - ao invés de sair “dessa para uma melhor”.

(Aliás, Schopenhauer, do alto do seu inteligente e provocante mau humor, indagava exatamente essa máxima: se é melhor, então por que o medo da morte?)

Por aqui, sabemos, o tom é bem diferente na passagem do dia dos nossos muertos, quando a visita aos cemitérios é praticamente uma obrigação de quem já se despediu de um ente querido, em cujo túmulo urge renovar flores, colocadas sobre a lápide limpa, preparada especialmente para a data. 

Confesso aos leitores e às leitoras deste espaço domingueiro que não cultivo esse hábito. Aliás, não recordo o dia em que visitei um cemitério, que não no sepultamento de alguém. A razão, para mim, é simples e objetiva: os meus mortos não morrem jamais - pelo menos enquanto eu for vivo. Por óbvio, eles permanecem em mim com suas vozes e sorrisos, quase nunca com suas dores e saudades.

É assim que o tempo opera em nosso favor. Aliás, das poucas coisas boas que ele trata de nos oferecer: apagar as lembranças mais dolorosas dos nossos bem-quereres ausentes, substituindo-as, quase que na totalidade, por aquelas que nos provocam uma saudade benfazeja - como a gargalhada do meu pai, o sorriso sereno do meu irmão Alexandre, as histórias contadas/inventadas por meu filho Pedro, as conversas com meu amigo Fredão…   

Se lhes interessa saber: deles eu lembro com uma frequência de fazer inveja a muitos vivos - e trato apenas aqui daqueles de quem eu gosto. São companhias para todas as horas, principalmente quando necessárias, o que termina por me convencer de que eu vivo também por eles.

A minha relação com a morte pode não ser das melhores, já que ela já me trouxe muitas dores, mas essa senhora não me provoca medo. Talvez até porque suas visitas tenham me ensinado que ela - a morte - não dói no morto, mas nos que ficam e têm de aprender a lidar com a despedida da presença física de quem se ama.

Relembrando Sêneca: “É um erro muito grande temer a morte: graças a ela, não temos mais nada a temer”.

Vale a pena seguir com ele:

- A morte nos consome ou nos liberta. Àqueles que liberta, ela deixou o melhor, subtraindo-lhes o fardo; àqueles que consome, ela não deixa nada: tanto o bem quanto o mal são aniquilados.    

Enfim, eu não levarei flores, neste domingo, para os túmulos onde os ossos dos meus mais queridos mortos envelhecem sob a terra. Que outros o façam, com carinho e uma devoção carregada das melhores memórias.

Por meu lado, seguirei contando com eles, os meus muertos, convencido, vaidosamente, de que também continuarei habitando a memória dos que me têm como afeto mesmo depois que eu me tornar apenas restos enterrados no chão.