O Juiz Federal Substituto Eduardo Kahler Ribeiro, da 4ª Vara Federal de Florianópolis, deferiu parcialmente um pedido de tutela de urgência em ação movida pelo Instituto Nacional Mulheres pelo Trânsito contra a União, determinando que o governo comprove, em 72 horas, a plena disponibilidade da plataforma “Participa + Brasil”, usada para coletar as contribuições da sociedade.

O processo, de número 5041752-69.2025.4.04.7200/SC, foi proposto após relatos de instabilidade e falhas graves na plataforma, que teriam impedido cidadãos, entidades e especialistas de participarem efetivamente da consulta pública aberta pelo Ministério dos Transportes. A ação conta ainda com a Associação Brasileira das Autoescolas (ABRAUTO) como assistente litisconsorcial, ou seja, uma terceira parte que participa da ação para defender interesses próprios, mas alinhados à parte principal. Isso permite à entidade apresentar argumentos, provas e manifestações no processo, já que o resultado da ação pode impactar diretamente os Centros de Formação de Condutores (CFCs) e os profissionais do setor.

Na ação, o Instituto Mulheres pelo Trânsito sustenta que as falhas recorrentes da plataforma inviabilizam o direito constitucional à participação social, especialmente em um tema de alta complexidade e impacto direto sobre milhões de brasileiros.

Segundo o Instituto, a consulta “afeta a segurança viária nacional, os direitos dos candidatos à habilitação e a sobrevivência econômica de milhares de Centros de Formação de Condutores (CFCs)”. A entidade argumenta que, somado ao prazo exíguo de 30 dias, o mau funcionamento do sistema torna “impossível o exercício pleno da participação democrática”

Entre os problemas relatados estão mensagens como “Estamos em manutenção” e erros técnicos graves, inclusive durante a madrugada. Para o Instituto, o cenário “viola o artigo 1º da Constituição Federal e o artigo 12 do Código de Trânsito Brasileiro”, que preveem a consulta pública como instrumento obrigatório de participação social.

A Advocacia-Geral da União (AGU) reconheceu a ocorrência de instabilidades, mas afirmou que os problemas foram pontuais e já solucionados. Segundo a defesa, o sistema sofreu uma sobrecarga “sem precedentes” devido ao alto número de acessos. Nesse caso, o equivalente, em poucos dias, ao tráfego de um mês inteiro da plataforma.

De acordo com a União, até 15 de outubro de 2025 a consulta já havia recebido 21.994 contribuições, o que demonstraria “plena operação e funcionalidade”. A equipe técnica informou ter realizado uma série de ajustes para otimizar o desempenho do sistema. Como, por exemplo, aumento de conexões simultâneas, refatoração de consultas SQL e implementação de recursos para reduzir a carga de dados processados.

Apesar da defesa, o juiz Eduardo Kahler Ribeiro baseou sua decisão em uma constatação pessoal. Ele relatou ter tentado acessar a plataforma “por inúmeros meios e horários” e não ter conseguido visualizar o canal de participação. Ou seja, encontrando as mesmas mensagens de manutenção relatadas pelo Instituto.

Para o magistrado, a falha não é pontual. “A indisponibilidade sistêmica do sítio eletrônico em horários de maior procura inviabiliza a plena participação dos usuários”, escreveu.

Ele destacou ainda que, ao adotar um meio digital, o governo assume o dever de garantir infraestrutura suficiente para permitir o acesso irrestrito da população.

Com isso, o juiz determinou que a União comprove, em 72 horas, a plena disponibilidade da plataforma participamaisbrasil/cnh-para-todos. Dessa forma, assegurando a efetiva participação dos cidadãos na consulta pública.

De acordo com o especialista em trânsito Celso Mariano, diretor do Portal do Trânsito e da Tecnodata Educacional, o episódio revela um risco grave à legitimidade das decisões sobre o futuro da formação de condutores.

“Se a participação pública é prevista em lei, ela precisa ser real, acessível e inclusiva. Uma consulta que poucos conseguem acessar perde o sentido e enfraquece o próprio processo democrático”, afirmou.

Conforme Mariano, a transparência e a escuta social são fundamentais em qualquer reformulação que afete a segurança viária. “Estamos falando de um tema que impacta diretamente vidas humanas, empregos e o futuro da mobilidade no país. Toda mudança precisa nascer do diálogo, e não da limitação técnica de uma plataforma”, completou.

Próximos passos

A decisão impõe à União o ônus de provar a estabilidade plena do sistema. Caso não consiga demonstrar que o “Participa + Brasil” está funcionando de forma regular e acessível, a Justiça poderá suspender o prazo da consulta pública. Ou, ainda, determinar sua reabertura após a correção das falhas.

Enquanto finalizava a matéria, a reportagem do Portal do Trânsito tentou acessar o site da Consulta Pública por diversas vezes, sem sucesso.

O prazo judicial encerra-se nesta semana e o resultado dessa verificação será determinante para o andamento de uma das consultas públicas mais polêmicas já realizadas no setor de trânsito brasileiro. Ou seja, aquela que pode redefinir o modelo de formação de novos condutores no país.

- Publicado primeiro em Portal do Trânsito, Mobilidade & Sustentabilidade » Justiça dá 72 horas para governo provar estabilidade da consulta pública sobre formação de condutores. Por favor, não se esqueça dos devidos créditos. - https://www.portaldotransito.com.br/noticias/cfcs/justica-da-72-horas-para-governo-provar-estabilidade-da-consulta-publica-sobre-formacao-de-condutores/