Era muita energia acumulada e de produção contínua naquelas idades. Dava para estudar, namorar, jogar bola, contar piada e discutir - apaixonadamente, claro, como convém.
Chico ou Caetano?
“Construção” ou “Qualquer coisa”?
Hoje respondo com serenidade, diferentemente de então: os dois, as duas.
Os times, naquela quadra, eram bem definidos e os argumentos agudos eram suficientemente letais aos “inimigos”. Depois, por óbvio, a Arte se impôs, exatamente do jeito que ela se manifesta com mais generosidade: diversa e plural. Melhor seria falar em “artes”.
Mas, cá para nós, desconfio de quem foi jovem/adolescente e não teve paixões definitivas, ódios eternos, que depois se desmancharam como poeira ao vento. Suspeito que, se assim foi, não há de ter lá grandes memórias, até mesmo para se arrepender - porque esta é uma prova de aprendizado.
Já adulto, me envolvi em discussões que hoje me parecem igualmente tolas sobre Machado de Assis e Lima Barreto. Do mesmo jeito, posso lhes dizer que gosto de ambos, embora tenha minhas preferências. Detalhe fundamental: que não são excludentes.
(Diziam, contra a minha opinião de curioso, que o Bruxo do Cosme Velho era “inglês demais”. Só que hoje, até mais do que antes, não consigo identificar um povo melhor ou mais criativo do que outro. Da mesma maneira, não vejo alma inglesa ou alma brasileira, nos bípedes implumes, sofrendo ou amando com mais ou menos intensidade. Todas carregando os mesmos atavismos, ainda que os levando por caminhos diferentes.)
Já o tema da hora, e já faz tempo, é a polarização política, que tem tudo para piorar no próximo ano, quando teremos eleições. De pronto, confesso: o ódio dos oponentes envolvidos na disputa me é estranho e me soa bem mais infantil ou primário do que as minhas discussões nos tempos em que eu andava descalço pelas ruas de terra batida de Maceió - à procura de uma bola ou de parceiros para o jogo de botão.
Sentimentos exaltados me remetem, sempre, ao homem primordial, que espero ter deixado, no meu caso, adormecido num passado que, proporcionalmente, já me parece algo distante. Como já escrevi aqui nesta tela, de há muito que eu descobri que a raiva, quando me toma, me faz mais mal do que ao objeto do meu desdesejo.
Na minha família há divergências políticas, que eu apontaria como intransponíveis, mas não me imagino batendo boca ou vociferando palavras azedas para os meus afetos que professarem credos que me pareçam inaceitáveis, estúpidos até. A vida é muito maior do que isso, e já não me sinto disposto a desperdiçar energia com o que me pareça menor do que ela.
Até porque as minhas paixões estão em outras áreas por onde circulam os humanos: na música, na poesia, na literatura, no cinema, sem que os preferidos “matem” os não escolhidos. Claro, acompanho cotidianamente o que vai acontecendo, me posiciono, mas tento não me envenenar com o desamor alheio.
Como todos, imagino, tenho alguns princípios que me norteiam para me definir como pessoa ou cidadão - e espero que as duas condições sejam a mesma. Até porque quando isso não acontece, eis a mais evidente vulnerabilidade humana, caímos na velha hipocrisia.
Mas, vamos lá: não gosto de quem banaliza a vida dos mais frágeis, em qualquer circunstância – coisa de empatia -, e tento me guiar pelo paradoxo da tolerância, de Popper, para quem não haveremos de ser tolerantes com os intolerantes:
- A tolerância ilimitada leva ao desaparecimento da tolerância.
Mas já estou preparado para enfrentar o novo ano, com suas velhas guerras, e digitar os números na urna eletrônica, essa bela tecnologia que a ciência brasileira criou. A ela chegarei lembrando Montaigne, o improvável e inseparável amigo que a vida me apresentou - e sugiro a você que faça o mesmo. Sobre política, dizia ele, mesmo quando os dois lados nos parecem ruins, haverá sempre um melhor do que o outro.
A ele.
Ricardo Mota