Eu já confessei aqui, neste espaço domingueiro, que iniciei minha vida de leitor pela obra de Adelaide Carraro, uma escritora menor, para defini-la ligeiramente. Trazia, em seus livros, narrativas de sexo explícito que estimulavam o adolescente cheio de hormônios a prosseguir, sofregamente, em busca das suas aventuras amorosas. (Vendo à distância, acredito ainda que “Falência das elites” era um bom livro – o julgamento de um adolescente recém-iniciado no mundo da “literatura”.)

Depois, veio a delicadeza. Tratar o sexo e/ou a sensualidade com elegância, estimulando a imaginação do leitor, é um dom dos que se tornaram clássicos. Alguns de forma surpreendente, como Gabriel García Márquez, em “O amor nos tempos do cólera”. O encontro (enfim) carnal entre os anciãos Florentino Ariza e Fermina Daza é algo para se guardar na memória afetiva até o fim dos nossos dias.

Talvez a mais detalhada cena torridamente amorosa que eu já li tenha sido aquela escrita pelo inglês Ian McEwan, em “Reparação”. São seis ou oito páginas de carícias sôfregas e apaixonadas – com tudo que o desejo partilhado por um casal tem direito –, a nos levar ao clímax de uma viagem de prazer. A palavra permitiu, a um mestre da escrita, o que só a ela era possível.

O português Eça de Queiroz era um craque na matéria. Como esquecer as formas generosas de Madame Gouvarinho – em “Os Maias” –, mesmo quase trinta anos depois, se elas estavam ali, a saltar das páginas, trêmula pele branca e sensível ao toque do amante? Eça repetiu a dose em outros livros: “O primo Basílio” e “A relíquia”, para citar alguns.

O nosso Machado de Assis deitou elegância e sofisticação nas suas cenas de sensualidade, trazidas pelas entrelinhas. Contos como “Uns braços” ou “Missa do Galo” revelam os segredos do Bruxo do Cosme Velho. Impossível, até aos jovens de hoje, acostumados com a oferta ilimitada das coisas do amor, ignorar o clima de paixão e de delicada luxúria sugerido pelo mestre. E “sugerido” me parece, aqui, a palavra mais adequada - complete o cenário.

Outro brasileiro, contemporâneo dos nossos tempos, também nos ensinou o caminho da sensualidade pela sofisticação no trato com as palavras. Raduan Nassar trouxe na dança fatal a um amor impossível o desfecho trágico e magnífico para o seu “Lavoura arcaica” – outra obra-prima da literatura universal. Tão perfeita, que Raduan tornou breve, apesar de intensa, a sua carreira de grande escritor.

Mais uma confissão: o minimalismo de Graciliano Ramos, em “Angústia”, deixou gravado em minha memória - inconformada -, um ato cometido em pensamento e desejo. Entre os dois amantes, Marina e Luís da Silva, uma parede  estreita separando os banheiros externos das duas casas. Ele, a ouvir a água tocar-lhe cada parte do corpo, com seu inconfundível e barulho. As intimidades da amada ao alcance dos ouvidos de um ofegante homem apaixonado, que a imaginava linda e nua...

Mas se a imaginação e a fantasia são tão indispensáveis à sensualidade e, ao fim e ao cabo, ao ato que completa os amantes, por que o Velho Graça desprezou o pequeno buraco na parede que o levaria à visão do paraíso?