Garrafas vazias de bebidas alcoólicas, apontadas como um dos principais fatores em casos de intoxicação por metanol, estão sendo vendidas livremente em plataformas de e-commerce como Shopee, OLX e Enjoei.
Na OLX, por exemplo, é possível encontrar um kit com duas garrafas de uísque Johnnie Walker Red Label e uma Black Label por R$ 40. Em supermercados, as versões lacradas desses produtos custam entre R$ 100 e R$ 150, dependendo do modelo.
Especialistas alertam que esses vasilhames são frequentemente utilizados por falsificadores para adulterar bebidas, simulando produtos originais. Embora muitos anúncios indiquem que as garrafas são voltadas a “artesanato” ou “decoração”, o risco de uso indevido é alto.
O mesmo ocorre com rótulos mais caros: garrafas de Blue Label, que chegam a R$ 1.600 no varejo, aparecem na OLX sendo vendidas vazias por R$ 400. Tampas também entram no mercado paralelo: um kit com três tampas de Royal Salute, uísque cujo original custa cerca de R$ 1.300 na versão 21 anos, é oferecido por R$ 150.
Após serem procuradas pela Folha de S.Paulo na sexta-feira (3), Shopee e Enjoei retiraram os anúncios do ar. Antes da exclusão, uma garrafa vazia de Jack Daniel’s era vendida por R$ 49 na Enjoei, e uma de Johnnie Walker Blonde Label custava R$ 23 na Shopee.
Fabricantes de bebidas afirmam que esse tipo de comércio alimenta o mercado ilegal e contribui para a falsificação. Para Eduardo Cidade, presidente da ABBD (Associação Brasileira de Bebidas Destiladas) — que reúne grandes empresas do setor, como a Diageo (dona de Johnnie Walker e Smirnoff) e a Pernod Ricard (Absolut e Chivas Regal) —, o problema exige maior fiscalização e controle.
"Tem que tirar do ar essas páginas que fazem esse tipo de venda. Qual é o objetivo de ter venda de garrafa [vazia] de bebida alcoólica na internet? Tem mercado ilegal que compra essas garrafas. É [preciso ter] ação de fiscalização integrada entre a Polícia Civil, Militar, Polícia Federal, Polícia Rodoviária, órgãos de saúde", diz Cidade.
Segundo o Procon-SP, a venda de garrafas vazias em lojas físicas ou marketplaces, em tese, não configura irregularidade. No entanto, o órgão ressalta que podem ocorrer infrações em determinadas situações, por exemplo, quando o produto comercializado não está devidamente homologado ou quando há indícios de destinação inadequada, em desacordo com a legislação vigente.
"Nestes casos, o mais indicado é informar a plataforma e a autoridade policial, que tem o poder de investigar. No âmbito do Procon-SP, em que pese sua atribuição estar restrita à relação de consumo (o site não entregar a mercadoria, cobrar preços diferentes etc) também é possível registrar uma reclamação ou denúncia", diz o órgão em nota.
O chamado “refil”, prática em que fraudadores reaproveitam garrafas originais de marcas conhecidas para preenchê-las com líquidos adulterados, é apontado pela indústria como um dos principais métodos de falsificação.
Essas bebidas falsificadas geralmente contêm álcool impróprio para consumo humano, adquirido a custo reduzido para aumentar o lucro e atrair consumidores. Os falsificadores replicam rótulos, tampas e até o aspecto visual do líquido, o que dificulta a identificação pelas autoridades.
Em nota, o Ministério da Justiça informou que acompanha o avanço do mercado ilegal de bebidas por meio da Senacon (Secretaria Nacional do Consumidor) e que está notificando conteúdos irregulares em plataformas digitais.
"A venda de garrafas vazias pode facilitar a adulteração e revenda fraudulenta, gerando risco ao consumidor. No plano administrativo de defesa do consumidor, a orientação da Senacon às plataformas é mitigar esse risco: retirar anúncios com indícios de finalidade fraudulenta e coibir a oferta de itens que incluam rótulos, tampas, selos/contrarrótulos ou kits que possam induzir o público a erro ou viabilizar reenvase e revenda como produto original; além de reforçar a identificação do vendedor e a rastreabilidade, conforme a legislação vigente", disse a pasta.
Procurada na sexta-feira (3), o Enjoei afirmou que é signatário do guia do CNCP (Conselho Nacional de Combate à Pirataria) e atua de forma proativa contra produtos falsificados ou ilegais.
"Embora a venda de garrafas vazias não se enquadre em uma prática restrita ou proibida, diante da seriedade do contexto atual, o Enjoei está aberto a colaborar com as autoridades e já passou a adotar novas medidas proativas para a remoção de tais anúncios, contribuindo para o trabalho dos órgãos de controle", disse a companhia.
A Shopee afirma que cumpre todas as leis locais e exige que os vendedores no marketplace as cumpram.
"Temos sistemas para identificar e remover anúncios irregulares e, quando identificados, eles são imediatamente suspensos. Mesmo quando não há ilegalidade, ficamos sempre atentos a acontecimentos e situações que possam oferecer riscos aos nossos usuários e tomamos as medidas cabíveis de acordo com cada situação. Seguimos aprimorando continuamente nossos processos para garantir um ambiente de compra ainda mais seguro", afirma a Shopee.
Em nota, a OLX disse que não vai se manifestar no momento.
Foto de Capa: Reprodução/Internet
*Com informações da Folhapress