A vida imita a arte, diz-se repetidamente, e me parece verdade. Mas, mimetizadora contumaz, ela imita também a ciência. Pelo menos assim eu imagino, e um pouco de imaginação não faz mal a ninguém. Gosto de entender a dita-cuja, a vida, como uma repetição da Teoria da Evolução, a mais bela entre todas as joias já esculpidas pela ciência. O que vale para tudo: indivíduos, espécies, corpo, alma, coletividade, criação, descobertas.

Creio que tudo, ao fim e ao cabo, vai se formando paulatinamente, cumulativamente, daí concluindo que nem mesmo a chamada morte súbita – ou boa morte, como querem alguns, inclusive eu – será de fato uma “invenção” instantânea. Ou seja: ela já estava ali, se fazendo, espreitando seu alvo, aguardando apenas o melhor momento – para ela – de se apresentar.

Daí, gostei demais quando o meu amigo/poeta Sidney Wanderley, numa pequena e interessante discussão, que ele mesmo propôs, sobre Machado de Assis, o autor da maior obra da literatura brasileira/universal, trouxe à luz uma analogia bastante rica sobre o Bruxo do Cosme Velho: ele teria se tornado um escritor genial pela acumulação que a maturidade literária lhe proporcionou, transformando o romancista mediano em um clássico definitivo – o que aconteceu a partir da publicação de “Memórias póstumas de Brás Cubas”.

Não parou por aí, o poeta. Apontou que na Biologia se conhecem dois caminhos para a especiação: a mudança “repentina”, um salto, a partir de um determinado momento em que a acumulação já projeta o novo, algo como o surgimento aparentemente repentino de outra espécie; ou o surgimento visível da novidade decorrente da soma das mutações imperceptíveis, sem sustos, sem saltos, como se escorregasse suavemente na esteira da linha de produção da Natureza.

Esses dois caminhos, ambos factíveis, opuseram sempre dois cientistas geniais: Stephen Jay Gould (morto em 2002) e Richard Dawkins, ainda polemizando, ao modo, no mundo científico, religioso e político. Não posso deixar de registrar que o holandês de Viçosa, o Wanderley aqui citado, aderiu à escola do ótimo Gould. (Confesso que ainda não consegui tomar partido.)

Mas, gente, acho bem sensata a compreensão de que nada surge do nada, se inventa a partir de si próprio, inaugurando seja lá o que for. Até os gênios, tão raros e escassos, sabem disso. Uma das frases clássicas da história de ciência foi proferida por Isaac Newton, em 1676, a Robert Hooke: 

- Se eu vi mais longe, foi por estar sobre ombros de gigantes.

Que bom, não é? Um reconhecimento do “vaidoso” Newton – quem não seria no lugar dele? – ao colega que o havia inspirado na construção da sua obra intelectual magnífica e revolucionária (na Física). Só que nem mesmo a frase, citada até hoje por gente da sua área ou de outras, e que vale para tudo e para todos, era dele “somente”. 

Já em 1621, algo muito parecido ou quase igual foi dito pelo pastor e cientista Robert Burton (“A anatomia da melancia”):

- Um anão sobre os ombros de um gigante pode enxergar mais longe do que o próprio gigante.  

(Peço, por favor, à turma que adora uma literalidade, que não imagine que estou afirmando que o pai das Leis da Mecânica, um colosso, seja um liliputiano. Nada disso!) 

Fato é que quase todos nós, eu incluso, somos mesmo anões, ainda que alguns cresçam um pouco mais do que outros, no acumulado dos dias, dos meses, dos anos, e enquanto o coração bater. Seguindo as leis nem sempre muito evidentes que regem a vida (individual e coletiva).

Quanto a mim, cá para nós: já não tenho esperança de encontrar um gigante a quem possa escalar até lhe chegar aos ombros, lugar onde a vista vai mais longe.