O cheiro do dendê que invade o ambiente enquanto a massa de feijão-fradinho doura no óleo carrega muito mais do que a tradição baiana. É também o símbolo de uma trajetória marcada pela persistência de uma mulher que fez da cozinha o caminho para realizar seus sonhos. A empreendedora Alessandra Batista mostra que a coragem para enfrentar desafios é o ingrediente principal da receita do Acarajé do Papai, hoje um dos mais conhecidos de Arapiraca.

A sergipana de olhos claros, casada com um baiano, saiu de Morro de São Paulo (BA) e se fixou na capital do Agreste alagoano em 2017, sem imaginar o quanto a sua vida mudaria a partir dali. O que começou como uma tentativa de matar a saudade do prato típico se transformou em uma empresa que conseguiu conquistar até mesmo os paladares mais exigentes de baianos que vivem em Alagoas.

“Recebo muitas mensagens de clientes, alguns deles baianos, que dizem que a minha receita é igual à que eles cresceram comendo. Um depoimento que sempre me emociona quando lembro é de um cliente que chorou quando provou, dizendo: ‘lembrei da minha avó’. Isso mostra que acarajé não é só comida. É vida. É memória. Por isso, precisa de carinho em cada etapa do preparo”, conta, emocionada.

Alessandra Batista transformou persistência e tradição no sucesso do Acarajé do Papai. Foto: Julio Vasconcelos

O primeiro desafio

A falta de um bom acarajé em Arapiraca foi o ponto de partida para Alessandra tentar, pela primeira vez, reproduzir os bolinhos vendidos pelas baianas em Salvador. As primeiras tentativas, que não deram certo, custaram uma frigideira que ela havia ganhado de presente da mãe, que não era adequada para fritar os acarajés e um liquidificador, que acabou quebrando durante as tentativas de bater a massa de feijão-fradinho.

As tentativas envolveram, inclusive, aprendizados culturais. “Apesar de muita gente preferir o acarajé com pimenta, na verdade o bolinho de feijão nem leva sal. A comida africana geralmente não é salgada por um motivo cultural. Os escravizados eram trocados por sacos de sal, então eles não costumavam usar sal nas comidas que preparavam. Então, qualquer comida autêntica baiana ou africana não é carregada no sal. No lugar, eles usam vários outros temperos”, explica.

Mas o sal não é o único segredo do prato típico. Acertar o ponto do bolinho de feijão foi a parte mais complicada. “Acarajé não é fácil de se fazer, não é uma produção barata e tem todo um mistério. Quando a massa quer dar certo, ela dá; quando não quer, perde, e não tem como aproveitar em outra receita”, relata.

Mesmo com muitas tentativas e erros, ela não desistiu até conseguir produzir o bolinho, o vatapá e o caruru com sabor e textura ideais, aprovados por dois baianos autênticos: o marido e o sogro.

A origem do nome

Com o tempo, a saudade do acarajé compartilhada por outros arapiraquenses e baianos residentes na cidade transformou o excedente da produção em um delivery improvisado. As encomendas eram feitas por telefone, ainda sem WhatsApp.

A filha caçula, Giovanna, foi a responsável por dar o nome à marca. Ainda criança, ela se prontificava a ajudar no delivery, que ainda não tinha nome. “Ela atendeu uma ligação e quando perguntaram se o telefone era meu, ela respondeu: ‘não, é do Acarajé do Papai’. E o nome pegou”, recorta a empreendedora.

Além da persistência, o sucesso do prato se deve também ao compromisso com a autenticidade. A chefe de cozinha faz questão de usar ingredientes de qualidade, evitando itens industrializados. O leite de coco do caruru é feito em casa e o azeite de dendê é artesanal e vem de Valença (BA). “A gente vê por aí muito acarajé que leva recheios diferentes, como siri e até frango, mas a gente se mantém fiel à receita original. O máximo que fazemos é a versão vegana, sem camarão. O Acarajé do Papai é o acarajé baiano tradicional, igual ao que se come em Salvador”, ressalta.

Autêntico e cheio de sabor, o acarajé é o protagonista do Acarajé do Papai em Arapiraca. Foto: Julio Vasconcelos

Histórias que marcam

Em sete anos, o Acarajé do Papai coleciona várias histórias curiosas de clientes. Uma delas foi de um morador de Marechal Deodoro que viajou até Arapiraca para atender o desejo da filha grávida.

“Ele fez uma encomenda grande e para provar que não era golpe, pagou antecipado. Contou que a filha grávida, que já tinha morado em Arapiraca, estava com desejo do Acarajé do Papai. Ele disse que comprou outros acarajés e até a levou para um restaurante famoso em Maceió, mas ela não ficou satisfeita. Como ela já havia perdido bebês antes, ele não mediu esforços para realizar o desejo”, relembra.

Virada de chave e expansão

Se a força de vontade foi essencial para abrir o caminho, foi a profissionalização que permitiu a Alessandra transformar o Acarajé do Papai em uma marca consolidada. É por isso que ela se refere ao Sebrae como um “sócio” do seu negócio.

“No início, a gente fazia as contas de forma errada. Achava que bastava apenas dobrar o valor dos custos para ter lucro. Mas tudo mudou quando o Sebrae se tornou sócio do meu negócio. Aprendi sobre precificação, boas práticas e tudo que envolve gerir uma empresa. Foi uma virada de chave”, destacou, ressaltando que a profissionalização possibilitou a participação em feiras, eventos e exposições.

Agora, o empreendimento se prepara para uma nova fase: a comercialização de acarajés congelados, que está em fase de testes. “É uma forma prática de ter o acarajé em casa, porque ele vai pré-frito, pronto para ser levado ao forno ou air fryer. Todos os ingredientes vão separados e congelados, inclusive a pimenta. Depois da aprovação da Anvisa, vai chegar ao mercado com qualidade e segurança”, explica.

De sonhadora à empreendedora

Hoje, Alessandra sente orgulho de sua trajetória. “Antes do Sebrae, eu era apenas uma sonhadora. Depois, me tornei empreendedora, sonhadora e persistente. Para empreender, é essencial ter persistência. É cair e levantar. Sempre”, resume.

Ela relembra que já vendia brigadeiros e sanduíches naturais mesmo quando era concursada. “As pessoas diziam que eu não precisava, porque tinha estabilidade e ganhava bem. Mas percebi que não era feliz. Pedi exoneração porque queria ter meu próprio negócio. Só depois do Sebrae me enxerguei como empresária.”

Para ela, a formalização trouxe segurança e novas oportunidades. O MEI faz uma grande diferença, porque dá segurança para a gente, caso sofra algum acidente e precise ficar parada por um tempo, por exemplo. Além disso, ter CNPJ permite que a gente possa emitir nota fiscal, participar de eventos maiores e também ter acesso a financiamento e outros benefícios”, completa.