Uma nação deixa de ser livre não quando seus soldados perdem batalhas, mas quando seus cidadãos perdem o direito de falar. O primeiro sinal de que uma democracia está doente é o silêncio forçado. Quando expressar uma opinião vira motivo de investigação, censura ou punição, o que temos já não é um Estado de Direito, mas um sistema em processo de degeneração moral.

 

O psicólogo polonês Andrew Lobaczewski, que viveu sob regimes totalitários, cunhou o termo ponerologia para descrever a infiltração do mal nas estruturas institucionais. Trata-se de um processo em que ideias patológicas, antes restritas a indivíduos isolados, passam a ser adotadas por todo o sistema político e jurídico. A lei, então, deixa de proteger e passa a perseguir. A justiça abandona sua venda simbólica e escolhe lados. O mal se torna norma — e o medo, ferramenta de controle.

 

No Brasil de hoje, vemos traços desse fenômeno em ações cada vez mais explícitas. Cidadãos são alvos de investigações secretas, parlamentares são constrangidos sem contraditório, vozes são silenciadas por decisões que escapam ao crivo do devido processo legal. Tudo em nome de uma suposta defesa da democracia — uma defesa que, ironicamente, mina seus próprios fundamentos.

 

Há quem se conforme com esse estado de coisas por pragmatismo ou conveniência. Mas há também os que enxergam que o respeito à liberdade não pode ser um luxo condicionado ao clima político. Existem princípios que servem como fundação moral de qualquer sociedade decente. E quando esses princípios são comprometidos, não é só um grupo que sofre — é a própria ideia de civilização que vacila.

 

A soberania nacional, embora fundamental nas relações internacionais, não pode servir de escudo para abusos internos. O Estado existe para garantir direitos, não para reprimi-los sob o verniz da legalidade. O uso arbitrário da força estatal — mesmo que justificado por resoluções ou interpretações elásticas da lei — é incompatível com qualquer ordem verdadeiramente livre. Não se trata de relativizar a autoridade, mas de lembrar que autoridade legítima sempre anda de mãos dadas com responsabilidade, limites e moralidade.

 

Em tempos como os nossos, a solução não passa por radicalismos, mas por uma recuperação de valores básicos: prudência, liberdade com responsabilidade, tradição de garantias, respeito ao indivíduo, apego à verdade. As sociedades que resistem aos impulsos totalitários são aquelas que se firmam sobre essas bases — discretas, mas sólidas. Eis a receita conservadora.

 

Uma democracia se sustenta, antes de tudo, pela coragem cívica de seus cidadãos. Quando essa coragem falta, a tirania preenche o espaço. Mas enquanto houver quem se levante, mesmo em voz baixa, contra o abuso de poder e a manipulação institucionalizada, ainda haverá esperança. A história já nos ensinou — muitas vezes, a um preço alto — que o mal, quando institucionalizado, só recua diante de uma consciência coletiva desperta e firme.

 

*Jornalista