Quando pensamos em minimizar os efeitos do aquecimento global, é comum lembrarmos da Floresta Amazônica como uma aliada na captura do dióxido de carbono (CO₂), especialmente por ela ter sido considerada, por muito tempo, o “pulmão do mundo”. No entanto, um outro ecossistema, ainda mais eficiente nessa função e pouco mencionado nas discussões sobre a crise climática, é o dos manguezais.
Predominante no litoral do Nordeste, eles são capazes de sequestrar até quatro vezes mais carbono que outras florestas tropicais, como a então Floresta Amazônica, já que durante o processo de fotossíntese, capturam da atmosfera e o incorporam em sua biomassa aérea (tronco, galhos, folhas, partes reprodutivas) e no solo (raízes). E ainda, graças ao seu funcionamento, regido pelas marés diárias, também estocam carbono no solo em níveis até dez vezes maiores que outros ecossistemas.
O cientista colaborador do Peld Costa dos Corais, Clemente Coelho, que estuda manguezais desde 1992, afirma que eles são excelentes indicadores das mudanças climáticas e oferecem benefícios além da captura de CO₂ na atmosfera. Um deles, é a capacidade de reduzir a chegada de poluentes em rios.
"Os manguezais também funcionam como filtros biológicos, retirando nutrientes do esgoto lançado nos rios e retendo poluentes no solo, especialmente metais tóxicos à saúde. Além disso, protegem a linha de costa e as margens dos rios ao reduzir os efeitos da erosão causados pelas marés e pela vazão das águas. Contribuem ainda para amenizar o microclima, graças à presença da vegetação, e têm se mostrado eficazes na retenção de resíduos sólidos, especialmente plásticos, devido ao emaranhado de raízes e troncos, impedindo que esse material chegue ao oceano".
Berçário de espécies
Estudos realizados por Clemente, indicam que entre 70% e 80% das espécies capturadas na zona costeira dependem dos manguezais em pelo menos uma fase do seu ciclo de vida. Um exemplo emblemático é o caranguejo-uçá (Ucides cordatus), que durante o período reprodutivo, conhecido como "andada", deixa sua toca e caminha sobre a lama para se reproduzir. Além dele, os manguezais são habitat para uma rica diversidade de peixes, crustáceos, moluscos, insetos, aves, mamíferos e até alguns répteis.
Por funcionarem como verdadeiros berçários naturais, os manguezais têm uma importância econômica e social, sobretudo para as populações tradicionais. “A pesca no Nordeste é, em sua maioria, artesanal e ocorre justamente nas áreas costeiras. Isso mostra como os manguezais são essenciais para a geração de trabalho, manutenção da renda e garantia da segurança alimentar dessas comunidades”, explica o pesquisador Clemente Coelho.
O ecossistema também abriga espécies ameaçadas de extinção, como o mero (Epinephelus itajara) e o peixe-boi-marinho (Trichechus manatus). Além de sua relevância ecológica, a beleza cênica dos manguezais tem impulsionado o turismo de base comunitária, como acontece em Porto de Pedras, no litoral norte de Alagoas.
A luta contra a flexibilização das leis ambientais e especulação imobiliária
Apesar de sua importância para o equilíbrio biológico e para a sobrevivência de diversas comunidades tradicionais, os manguezais historicamente enfrentam ameaças constantes, principalmente pela expansão urbana desordenada e pela especulação imobiliária.
Nos anos 1990, esse embate chegou até a cena cultural, quando o Movimento Manguebeat, criado por Chico Science e outros artistas pernambucanos, denunciou por meio da música o abandono desse ecossistema e sua importância ambiental, econômica e social. As letras falavam da relação direta entre os mangues e a sobrevivência de pescadores artesanais, catadores de caranguejo-uçá e outros trabalhadores que tiram da lama o sustento de suas famílias.
Mais de três décadas depois, o cenário pouco mudou. Os manguezais continuam desaparecendo, especialmente em regiões onde a pressão imobiliária é intensa, como no litoral Norte de Alagoas. De acordo com dados do Projeto de Mapeamento Anual da Cobertura e Uso do Solo no Brasil (MapBiomas), entre 2008 e 2020, o estado perdeu cerca de 14% de sua área de manguezal. O estudo é coordenado pelo Observatório do Clima em parceria com outras 18 instituições de pesquisa.
A situação pode piorar com a aprovação do Projeto de Lei 2.159/2021, conhecido como “PL da Devastação”, pela Câmara dos Deputados. A proposta flexibiliza o licenciamento ambiental no país, permitindo, por exemplo, a autodeclaração para obtenção de licenças, exceto em casos de alto risco, o que pode abrir brechas para o avanço de empreendimentos sobre áreas protegidas.
“O maior risco atualmente é a flexibilização das leis ambientais. Os manguezais são Áreas de Preservação Permanente (APP) previstas no Código Florestal. No entanto, o crescimento urbano desordenado, obras de infraestrutura como rodovias e até a carcinicultura vêm avançando sobre essas áreas, causando mudanças hidrológicas severas e perda de biodiversidade, em especial do caranguejo-uçá, espécie fundamental para a economia de muitas comunidades”, destaca Clemente.
Sobre o Peld Costa dos Corais (Peld CCAL)
Desde 2017, o Programa de Pesquisa Ecológica de Longa Duração da Costa dos Corais em Alagoas (Peld CCAL) atua com foco no monitoramento e estudo dos sistemas socioecológicos da Área de Proteção Ambiental (APA) Costa dos Corais, a maior unidade de conservação marinha costeira federal do Brasil, com mais de 400 mil hectares. A APA se estende do litoral Norte de Maceió (AL) até o município de Tamandaré (PE) e abriga ecossistemas vitais como recifes de coral e manguezais, além de espécies ameaçadas de extinção, como o peixe-boi-marinho.
Desde 2022, o Peld, em parceria com o ICMBio, a Universidade de Pernambuco e a Associação dos Pescadores e Amigos do Capitu (APACC), monitora a floresta de mangue e a população de caranguejo-uçá no Rio Manguaba, em Porto de Pedras (AL). Os dados alimentam a Rede Monitora Mangue, do ICMBio.
O estudo revelou uma floresta bem desenvolvida, dominada por Rhizophora mangle, e uma população expressiva de caranguejos, com distribuição diferenciada ao longo do manguezal: adultos se concentram na faixa mais próxima do estuário, enquanto os jovens ocupam áreas mais internas, na transição com a terra firme. Além disso, a análise da biomassa vegetal apontou o potencial da floresta como um importante sumidouro de carbono, inclusive, com índices superiores aos de outras regiões do Nordeste.
O Peld CCAL é um projeto da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e é financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Alagoas (Fapeal) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Siga @peldccal nas redes sociais e saiba mais sobre o nosso trabalho!