Fui atendido num pequeno armarinho de miudezas por uma vendedora simpática e risonha:

- O que o jovem jornalista está procurando?

Claro que era um rasgo de pura gentileza da mulher de trinta e poucos anos - até porque aos 67 de idade não dá mais para me enganar, e eu não reclamo do tempo passado nem alimento ilusões ao que virá. Mas sorri e apresentei o meu pedido, prontamente atendido.

Já no caixa, e a compra era de baixo valor, ouvi-a comentando com uma colega que ela encontrara dinheiro no chão, no dia anterior. Pouca coisa, mas o suficiente para dizer que não gostava de achar dinheiro. Tentando ser um tanto engraçado, eu disse que era "melhor achar do que perder". 

Pois bem. Com muita naturalidade e leveza, ela me deu uma breve lição de honestidade e empatia:

- Quando acho dinheiro, imediatamente lembro que alguém o perdeu, e que pode fazer falta.

Bingo! Fechei os olhos e balancei a cabeça, em concordância. Ela estava prenhe de razão, mesmo considerando que é difícil, na correria do dia a dia, fazermos esse exercício de consciência tão rapidamente quanto ela, que trazia um sorriso triste nos lábios naquele momento, como se visse por dentro a cena que havia sugerido.

Fato concreto e objetivo: o dinheiro, na sociedade capitalista, está sempre associado à honestidade ou à falta dela, predominando o entendimento tolo e injusto de que não tê-lo em quantidade torna alguém mais vulnerável a praticar atos de que poderá se envergonhar se descoberto. Ao contrário, a grana na conta bancária serviria de conselho e régua para que uma pessoa garanta sua boa imagem para o mundo.

Isso valeria, principalmente, para as chamadas carreiras de Estado, sempre bem remuneradas. E aí vou discordar radicalmente, como aconteceu um dia desses numa breve discussão – sem maiores consequências – com um amigo. Seu argumento: se não ganhar muito bem, o que justificaria até os supersalários e penduricalhos (e esse era o tema do pequeno debate), o servidor público ficaria à mercê das tentações, da sedução da grana, sem qualquer defesa. Não é assim que eu penso: honestidade não se mede com matemática, até porque não há, em minha opinião, ninguém mais ou menos honesto.

Eis uma condição que não admite valores relativos: ou é ou não é. 

Deixo claro que defendo que todos os trabalhadores, do setor público ou privado, recebam salários dignos e tenham o respeito, por merecerem, do empregador. Não esquecendo que os servidores têm como patrão ninguém menos do que a população - do mais pobre ao mais rico, já que todos concorrem para a sua remuneração.

Muito se associa a desonestidade à atividade política, o que tantas vezes é uma reação de pura hipocrisia. Em mais de 45 anos de profissão, já convivi com políticos honestos e desonestos –  quase que na mesma medida. E ainda que o padrão de hoje, moral e de conteúdo, seja em média mais baixo, quero crer que há muita gente no meio a merecer o nosso respeito e - por que não? – o nosso voto, se consciente. 

E aí entra a história da hipocrisia: tantas vezes o acusador ("todo político é igual!"), voz aguda e dedo em riste à frente do nariz, é alguém que espera a sombra/escuridão para revelar sua verdadeira essência. Se flagrado, o argumento salta tão cretino quanto desonesto: - Todos no meu lugar fariam o mesmo. 

Definir honestidade, ainda mais se acompanhada de empatia, é difícil sem um exemplo prático. Mas deixo de citar nomes – de políticos ou de outros agentes públicos – para que não corra o risco de ser injusto. Na vida cotidiana, porém, parece ser bastante possível encontrar uma identidade que possa abarcar essas duas qualidades, que não dão dinheiro, é verdade, mas podem até garantir um sorriso pleno no rosto:

“Como é o seu nome?”, perguntei à vendedora.

- Maria.

Taí.