O cantor MC Poze do Rodo foi preso pela Polícia Civil do Rio de Janeiro, no dia 25 de maio, em uma ação que rapidamente ganhou as redes sociais. O artista foi detido enquanto se apresentava em um evento no bairro de Bangu, na Zona Oeste da capital fluminense. Conduzido algemado, sem camisa e descalço, diante de câmeras posicionadas previamente, Poze foi acusado de fazer apologia ao crime e de envolvimento com associação para o tráfico de drogas. As imagens da abordagem viralizaram — e, com elas, cresceu também o debate sobre os limites da atuação estatal.

Para o advogado alagoano Caio César, pós-graduado em Direito Penal e Processual Penal, o caso é um exemplo claro daquilo que a doutrina penal crítica classifica como “Direito Penal do Espetáculo” — um modelo em que a persecução penal deixa de servir à responsabilização jurídica séria e passa a funcionar como ferramenta de encenação para saciar o desejo punitivo de parte da sociedade.

“Não se tratou de uma prisão técnica, mas de um show. A forma como MC Poze foi exposto ao público, com a presença ostensiva da imprensa e o uso desnecessário de algemas, viola a Súmula Vinculante nº 11 do Supremo Tribunal Federal, que condiciona esse tipo de contenção a situações de resistência ou risco, o que não se aplicava ali”, afirma o advogado.

Segundo ele, o episódio não pode ser visto como caso isolado. “É mais uma manifestação da seletividade penal que recai, quase sempre, sobre jovens negros e periféricos. Enquanto figuras influentes do meio político ou econômico são tratadas com todas as garantias legais, artistas populares como MC Poze são alvos de ações midiáticas que buscam reforçar a ideia de uma repressão eficaz, ainda que à margem da legalidade.”

As acusações contra o cantor baseiam-se em trechos de suas músicas e declarações públicas — material que, segundo Caio César, se insere no campo da liberdade de expressão artística, garantida pela Constituição Federal. Ele explica que o crime de apologia ao crime, previsto no artigo 287 do Código Penal, exige a exaltação pública de um fato criminoso determinado. Já a acusação de associação para o tráfico, prevista na Lei de Drogas (11.343/06), depende de provas concretas de estabilidade e vínculo permanente com organização criminosa — elementos que, até agora, não foram apresentados.

“O que há são interpretações subjetivas, muitas vezes contaminadas por estigmas sociais e raciais. A cultura de favela e o estilo de vida periférico não podem ser confundidos com crime. Quando o Estado se vale dessas expressões para justificar prisões, ele não está promovendo justiça, mas sim criminalizando a estética, a linguagem e a origem de uma parcela da população”, alerta o jurista.

MC Poze foi solto dias depois, por decisão da Justiça, que reconheceu a falta de fundamentação para a manutenção da prisão. Mesmo assim, o impacto da exposição pública persiste. “A prisão, ainda que revertida, já produziu seu efeito simbólico: marcar o artista como perigoso, como ‘exemplo’”, pontua Caio.

Para ele, o episódio acende um alerta sobre o risco de se permitir que o sistema de Justiça funcione a partir de pressões externas e espetáculos públicos. “Ao naturalizarmos essas práticas contra certos grupos, abrimos um perigoso precedente. Não é apenas o cantor que está sendo julgado. É o próprio modelo de Justiça que insiste em confundir repressão com solução, mídia com verdade, vingança com justiça. O show precisa acabar.”