Sábado começou com uma dor de cabeça tênue. Depois dos quarenta, aprendi a reconhecer os sinais dessa colheita indigesta anunciada. Na noite anterior — uma sexta-feira molhada e de frio — fizemos um sambinha redondo no apartamento de um compadre querido. Oscilamos no banjo e no rebolo como bons e discretos pais de família. O churrasco no Herfray era uma dívida antiga, por motivos justos. Uma noite de cerveja e conversa boa, dessas que não custam um centavo, mas valem a memória. O contrafilé — que os argentinos chamam de bife ancho — estava suculento, macio como merda de gato, na fórmula insuperável de meu pai. Bife ancho soa mais chique que contrafilé.  

 

No sábado de manhã, como de costume, aguardei os gols do meu primogênito. Ele raramente me decepciona. Não sei por que insisto em depositar tanta expectativa sobre os ombros de um menino de sete anos. Talvez porque os gols dele sejam a redenção dos meus — de um ex-jogador que nunca cheguei a ser. Banhado, já quase curado da noite anterior, às 11h lá estava eu no shopping, para um café de saudade e negócios. A essa altura da vida, descobri: os amigos de verdade podem desaparecer por décadas — porque são assuntos arquivados, prontos para serem consultados sempre que o coração requisita. A maturidade chega, entre outras coisas, para não mais negarmos a realidade.

 

Almoçamos por ali mesmo, com aquela rara e preciosa companhia. Ele escolheu o bife ancho, e eu fui de sobrecoxa de frango malpassada, com arroz, feijão e farofa — porque quem escolhe o tradicional quase nunca erra. Lá pelas duas da tarde, foi ele quem me lembrou: "Hoje tem Azulão, às cinco." Voltei pra casa, e logo combinei com o filho mais velho do Jobson e da Maria do Céu: “Às quatro, passamos aí.” Assim foi feito. Pegamos o rumo do Trapiche, bairro tradicional que abriga o Estádio Rei Pelé — homenagem justa ao maior de todos os tempos e anos luz do vice colocado.  

 

Entramos no estádio sem grandes dificuldades, apesar do subdesenvolvimento habitual que ainda nos espreita: infraestrutura capenga, obras eternas, poças de lama, chão esburacado, banheiro sujo, cheiro de maconha. Fizemos o de sempre: escolhemos o ponto estratégico, abrimos o amendoim, a garrafinha de maçã com coco, a água gelada, a pipoca.  

 

Na hora do Hino Nacional — símbolo maior de nossa identidade — a torcida — ou parte dela — ao invés de silenciar, ficar de pé, cantar e honrar os versos de Duque Estrada, entoou o velho cântico ofensivo ao rival ausente. É um nível de incivilidade que só pode ser perdoado pelo milagre do futebol. Porque o futebol, ah, o futebol… continua lindo, apaixonante. E ainda nos salva de nós mesmos e de nossa eterna mediocridade. Uma pena!!