A cena musical em Alagoas vive um momento de efervescência, impulsionada por uma nova geração de artistas independentes. Inspirados por grandes nomes da MPB, do pop, do rock e pelos ritmos tradicionais de uma terra rica em cultura, esses novos talentos se envolvem em todas as etapas do processo criativo, da composição à interpretação. Em meio a melodias e versos, enfrentam também desafios que, muitas vezes, estão embutidos nas próprias canções.

Para o cantor e produtor Eduardo Pereira, a madrugada foi sua maior aliada ao produzir. No silêncio que contrasta com o dia a dia da comunidade Grutão, na Gruta de Lourdes, em Maceió, o artista começou a compor as músicas de seu primeiro álbum solo, Canções de Amor ao Vento, lançado no último dia 28 de maio. 

Após encerrar o ciclo com a banda The Mozões, ele mergulhou em um processo solitário de produção, onde percebeu que sua maior matéria-prima eram suas vivências pessoais. “Sentia que minha maior propriedade de fala era sobre eu mesmo, sobre questões íntimas que me atravessavam a mente e a pele e que ganham mais voz depois da meia-noite. Compor ali foi um exercício de autopercepção no mundo.”, explicou Eduardo.  

Inspirado por artistas como Leonard Cohen, Bob Dylan e Dorival Caymmi, Eduardo encontrou na estética minimalista uma maneira de driblar as limitações técnicas e financeiras. Dono de um estúdio caseiro, o cantor explica que a falta de acesso a estúdios, instrumentos e equipamentos o fez exercitar a criatividade para se aproximar de sua própria autenticidade. 

Ele ainda conta que a equilibrar a produção do álbum sem o acesso a uma estrutura profissional e o dia a dia, onde precisava sobreviver por meio de trabalhos artísticos que não dão um retorno justo, porém exigem muito tempo e energia. Além da produção independente, Eduardo equilibrou a criação do disco com outras atividades que garantiam seu sustento: deu aulas de música, produziu para outros artistas e, principalmente, cantou nas ruas. 

“A arte de rua foi minha faculdade. A rotina de tocar na rua me impulsionou a melhorar meu canto, meu violão, meu conhecimento de repertório brasileiro e, principalmente, minha conexão com as pessoas”, frisou.

Do quarto para os fones

Já para a cantora e estudante de Jornalismo Clara Tenório, sua identidade musical, de certo modo, sempre a acompanhou. Ela afirma que música esteve presente em sua vida desde muito cedo. Apesar disso, Clara explica que seu gosto musical foi desenvolvido de modo muito independente nas diversas horas que passou explorando plataformas de música e conhecendo artistas. 

Para ela, música é sobre sentimento, desse modo, a composição foi chegando em sua vida. Aos 18 anos, a cantora ganhou seu primeiro violão, e foi quando passou a transformar suas letras em músicas. “Escrever sempre foi uma forma de terapia e escrever músicas é a forma perfeita para mim, porque é uma coisa que eu gosto muito de fazer. Sentar e ficar ali martelando por horas, quais palavras ficam melhor aqui, como descrever essa situação de uma forma interessante. Isso está na minha alma”, diz Clara. 

Ao produzir seu single de estreia, silêncios confortáveis, ela conta que a ideia da composição surgiu após um dia faltar energia em sua casa e começar a refletir sobre a relação com sua melhor amiga, e como compartilhar momentos de silêncio com ela era confortável. Ela explica que foi um processo rápido, apesar do perfeccionismo envolvido. “Quando sento, em meia hora, escrevo uma música. Depois posso ir aperfeiçoando, lapidando, mas na maioria das vezes é assim, um fluxo de consciência".

A gravação da faixa aconteceu no estúdio caseiro de Eduardo, que Clara conheceu ao publicar suas composições nas redes sociais. Após um convite para produzirem juntos, a parceria se firmou. Ela lembra que, na época, o cantor havia lançado apenas o single Canaviais, mas já impressionava pela sensibilidade e pela forma como criava com recursos limitados. “A minha relação com o Eduardo veio muito de um fortalecimento entre artistas”.

Clara ainda conta que espera que silêncios confortáveis chegue às pessoas com o mesmo significado especial com que a música saiu dela. Ela concorda que uma música, uma vez lançada, é a história de todos que a escutam. Para ela, a canção é múltipla de significados e espera que, com suas subjetividades, as pessoas consigam dedicar a pessoas especiais, com quem compartilham intimidade. 

O próximo lançamento de Clara, previsto para julho, se chama É Como o Céu Quando Você Me Toca, música composta ainda durante a pandemia e que carrega o embrião de um EP cuidadosamente pensado. Ela conta ainda que irá participar da Fábrica de Artistas, uma iniciativa da TV Ponta Verde que visa impulsionar novos nomes da cena musical alagoana.

Arte como resistência

Para Eduardo Pereira, Canções de Amor ao Vento é, antes de tudo, “um impulso de resistência, de seguir mesmo assim, com os meios que se tem”. Ele reforça que, “viver de arte em Alagoas, sendo uma pessoa de origem periférica, é um desafio constante: tudo é mais escasso — apoio, estrutura, visibilidade”. 

Os “defeitos” do álbum, como a sonoridade ruidosa, o áudio sem tratamento, timbres de equipamentos baratos, não são falhas a serem escondidas, mas traços de autenticidade que dão “charme” à obra e reforçam seu caráter de acolhimento e esperança.

Na mesma linha, Clara Tenório vê na música um território de afirmação pessoal e coletiva. “Cresci nesse mundo do pop internacional, era criança em fã-clube; mas, nos últimos anos, me aproximei do pop contemporâneo nacional — a poesia de artistas como Anavitória me inspira pela forma detalhista de expressar sentimentos”, finalizou Clara.  

Para eles, viver de arte é também um ato político e de sobrevivência, onde os laços afetivos, as trocas de inspiração e a confiança mútua funcionam como alicerces. Em um cenário muitas vezes hostil à cultura, é nessa rede que a arte encontra espaço para se manter viva.

*Estagiária sob supervisão da editoria