Compartilho com alguns amigos queridos a minha afeição pelos grandes primatas, chamados erroneamente de macacos (estes têm rabo; aqueles, não). Mas isso é só um pequeno detalhe sobre espécies maravilhosamente próximas aos humanos, dos quais se separaram há cerca de seis milhões de anos, garantem os cientistas.
E cá para nós: quanto mais eu aprendo sobre eles, mais os admiro e enxergo a tola arrogância da nossa turma animal, que se considera no topo do processo evolutivo. Ah, bobinhos, que somos.
Só para que não nos percamos no meio do caminho, lembremo-nos das bactérias, que estão por aqui desde que a vida deu seus primeiros sinais de existência no planeta que tomamos como nosso só para vociferar o falso direito de destruí-lo. Elas, sim, podem se apresentar como o "ó do borogodó" evolutivo.
Recentemente, nossos primos-irmãos chimpanzés ganharam novas manchetes no mundo inteiro, principalmente na parte curiosa e antenada, por mais uma descoberta feita por paleontólogos sobre o seu saber e fazer.
E o que merece destaque?
A turma peluda, que não cuida de destruir o ambiente em volta da sua morada – nem a dos outros bichos –, tem ritmo, e com intenção explícita de manifestá-lo. É isso mesmo! Provavelmente antes dos bípedes implumes, os chimpanzés já compartilhavam com os seus alguns elementos indispensáveis numa roda de pagode (assim digamos, para que fique mais claro).
Detalhes surpreendentes: eles não têm apenas um padrão de batucada - são vários, e sem atravessar. Coisa de fazer inveja a muito marmanjo que tenta, mas não consegue manter-se dentro do ritmo, ferindo alguns ouvidos mais sensíveis.
Vocês não podem imaginar a minha satisfação com essa descoberta, já ficando, portanto, na expectativa de que outras virão no vasto campo da arte.
Confesso que até cheguei a imaginar que era a arte, sua produção e consumo, que nos diferenciava das outras espécies. Essa verdade, no entanto, vai desmoronando à medida que vamos sabendo mais sobre outros bichos, que teimamos em considerar, do alto da nossa estupidez, inferiores.
Espero que os chimpanzés (assim como os bonobos, os orangotangos e os gorilas – os demais grandes primatas) já tenham chegado à conclusão de que a arte é o que mantém acesa a alma, abranda os sentimentos agressivos e oferece uma cama macia e confortável nos dias/noites em que a luta pela sobrevivência exige mais do que se poderia esperar.
Digo-vos: é cada vez mais intenso e estreito o meu convívio com as várias formas de arte, entre as quais eu incluo a literatura - a expressão mais sofisticada e indestrutível que a Natureza até hoje nos proporcionou.
Sim, eu sei: a música é aquela que mais rapidamente nos invade e avisa da sua chegada, sabem bem os nossos primos-irmãos.
Perdoem-me, mas não estão incluídos aqui os sons e ruídos provocados pelas paradas de sucesso do momento. Por favor, não me xinguem os que de mim discordarem – a minha é tão somente uma opinião de gente antiga, já sem paciência para experiências diversionistas.
Imagino, porém, que os chimpanzés haverão de ter o seu Ferreira Gullar, com dentes enormes e um mau humor próprio dos sábios, a lhes dizer:
- A arte existe porque a vida não basta!
Eles?
“Tum tum paticumbum prugurundum!”

Ricardo Mota