Atualmente, buscar Justiça no Brasil vem sendo um desafio constante para aqueles que precisam, principalmente pessoas mais vulneráveis. Na maioria das vezes, essa busca se transforma em uma jornada longa, desigual e exaustiva.
Em entrevista ao Cada Minuto, a advogada Magda Lopes conversou sobre como a morosidade dos processos judiciais torna o acesso à Justiça um privilégio ainda distante para milhares de pessoas em situação de vulnerabilidade.
Razões da morosidade
Magda Lopes, advogada e mestra em Sociologia, aponta diversas causas que contribuem para a morosidade judicial no Brasil, como a baixa quantidade de servidores do Judiciário, entre eles técnicos, analistas e juízes, em contraste com a alta demanda de processos, além da ausência de educação continuada para a atualização desses profissionais.
Além dessas causas, a advogada destaca outros fatores que contribuem para o engavetamento dos processos: “Há pouca fiscalização e cobrança quanto à produtividade laboral, principalmente em relação aos juízes mais antigos; falhas e desorganização no sistema processual eletrônico utilizado, o qual permite que processos sejam esquecidos e fiquem sem movimentação por muito tempo.”
“Apesar disso, temos alguns avanços no acesso à Justiça, pois, antes, falar com um advogado, adentrar com uma demanda judicial era algo muito distante e somente possível para determinadas pessoas com certos privilégios. Hoje, temos uma estrutura e acesso mais flexível”, enfatiza Magda.
Ela ressalta a importância da ampliação dos recursos humanos nas Defensorias Públicas, assim como de uma melhor análise para realmente atender aos que não podem contratar um advogado e não àqueles que se aproveitam e acabam ocupando o lugar de quem realmente precisa.
“Não é fácil garantir a equidade, pois ainda convivemos com o ‘jeitinho brasileiro’ de conseguir algo por amizade, por conhecimento e não por necessidade. Logo, garantir mais acesso a quem mais precisa é um desafio também no Judiciário”, explica.
Justiça que acolhe ou afasta?
A doutora informa ainda que a burocracia e a formalidade do Judiciário afetam diretamente pessoas de baixa renda. “Precisamos de servidores mais humanizados, atenciosos e cordiais, que possam melhor acolher, explicar e orientar. Precisamos de mais Justiça itinerante, aquela que ‘quebra os muros’ dos fóruns e vai até as comunidades mais carentes.”
Magda defende uma melhor integração entre o Judiciário e outras instituições públicas e sociais, como o Ministério Público, OAB, Conselho Tutelar, associações, instituições filantrópicas e secretarias como as de Assistência Social, da Mulher, Direitos Humanos, Inclusão Social, entre outras, para um melhor planejamento e execução conjunta de projetos, ampliando o acesso e garantindo a resolução de conflitos, inclusive extrajudiciais.
Ao refletir sobre as barreiras de acesso à Justiça, especialmente para a população em situação de vulnerabilidade, a advogada destaca não apenas os entraves legais e burocráticos, mas também as barreiras simbólicas e comportamentais presentes nos espaços do Judiciário. Ela aponta que, muitas vezes, o ambiente jurídico não é acolhedor nem mesmo para os profissionais da área, o que torna ainda mais difícil a experiência de quem busca seus direitos em condições de desigualdade.
“O acesso aos tribunais é burocrático até para nós, advogados. As pessoas e os ambientes, em sua maioria, não são acolhedores, desde o olhar, a postura até a linguagem. Imagine para a população mais vulnerável? Existe preconceito e discriminação”, relata.
“Esses dias, saiu uma reportagem de que uma advogada foi impedida de entrar em um tribunal do Nordeste porque usava turbante. Já houve outras reportagens sobre cliente que estava de sandália e foi repreendido em audiência, advogado que estava de terno mas sem gravata… São tantos absurdos e alguns invisíveis, pois acho que é assim o Judiciário brasileiro para os mais vulneráveis: algo invisível”, continua.
Dois lados da moeda
Atualmente, a tecnologia vem sendo largamente utilizada na sociedade e também na advocacia, com melhorias como o acesso aos processos de casa, otimização de trabalhos, atuação da advocacia em qualquer estado brasileiro por meio do processo digital e audiências virtuais. Mas também possui algumas lacunas.
“Sou advogada há 16 anos e ainda presenciei o processo físico, páginas que poderiam desaparecer, processos que sumiam, não se buscava seguir uma ordem temporal para análise. Enviar uma petição para outro estado brasileiro só via Correios… é um grande avanço”, informa.
Entretanto, toda moeda tem dois lados, e a tecnologia também possui suas dificuldades, principalmente quando relacionada ao acesso à Justiça por parte das populações mais vulneráveis. Como, por exemplo, em processos judiciais da Justiça Federal que envolvem a concessão de benefício assistencial (BPC/LOAS), em que, por vezes, há necessidade de constatar a condição social (na letra da lei, condição de miserabilidade) da pessoa que busca tal benefício.
“Essa constatação é feita por oficial de Justiça que, para dar celeridade aos trabalhos, faz por meio de chamada de vídeo, mas esquecem que nem todos possuem um celular smartphone. Muitos ainda usam o tipo ‘lanterninha’, isso quando têm celular. Nesses casos, deveria existir maior flexibilidade para a constatação, devendo a mesma ser presencial, na própria moradia. Como toda tecnologia, precisa de ajustes, atualizações e de flexibilidade”, conclui a advogada.
*Estagiária sob supervisão da editoria