- Pode tirar!

De novo, é a moça do caixa do supermercado se antecipando ao que seria o ato-reflexo de todos que fazem um pagamento com cartão (o que ainda sobrevive).

O que me incomoda, e eu confesso, é a pressa com que ela toma essa decisão e a anuncia, embora me veja – e a qualquer um que esteja no meu lugar – com o dedo no gatilho. Talvez porque eu seja um idoso de cabelos brancos e barba idem (etarismo?). Mas não me parece nada disso: já observei que essa pressa faz parte da educação profissional de caixas em geral e vale para qualquer faixa etária, gênero e (será?) espécie. 

Já tentei concorrer várias vezes com elas, mas perco todas. Preparo-me: “É agora!”. Só que não. A voz, incisiva, repete o mantra: “Pode tirar!”. E no exato instante em que eu puxo o cartão. É como se ela se desse conta de que está em meio a uma corrida e não cansasse de repetir após o ato, silenciosamente, ante cada consumidor: “Ganhei mais uma vez”.

Tive até vontade de retrucar rispidamente, mas já entendi, para o bem geral – meu e delas –, que caixa de supermercado e de similares é uma das atividades mais insalubres à disposição de um público que não teve muitas chances de bons empregos na vida. Imagino que é estressante demais: trabalha-se sob uma pressão estonteante e desumana. Por exemplo: ao fim da jornada, assim como a energia do universo, o resultado tem de ser zero. Refiro-me à diferença entre o que entra e o que sai (as notas estão lá para a conferência dos superiores).

Eu sei, eu sei, eu sei! A pressa é geral, ampla e irrestrita, palpável no dia a dia. Os números do trânsito denunciam esse cada vez mais repetido comportamento humano (lembrando que as vítimas são vítimas, os acidentes/incidentes é que são fatais). Diariamente, tenho de ter cuidado redobrado com as faixas de pedestre que tenho de atravessar, bem cedinho, para chegar à “passarela-pista” da minha caminhada/corrida.

Impossível não lembrar Aparício Torelly, o Barão de Itararé, já no fim da vida, quando reclamava que “o mundo é redondo, mas está ficando chato!”. Ao atravessar a rua ao lado de um amigo, no Rio de Janeiro, viu um ônibus e avisou ao companheiro de travessia: “Depressa! O motorista já nos viu”.

Ando devagar porque já tive pressa, é verdade. Mas perdi a ligeireza própria da ansiedade antes até de envelhecer, o que imagino que não tenha sido ruim para mim, não. É verdade que eu não gosto de chegar atrasado aos compromissos que assumo. Mais do que isso, sou extremamente disciplinado com meus afazeres e meus lazeres – na mesma proporção. Costumo dizer - para mim mesmo, viu? – que a disciplina mascara muitos dos meus defeitos, a começar por uma preguiça enorme que vive, come e mora sobre os meus ombros. Ainda bem.
 
E cá para nós (não espalhe por aí): eu tenho uma pressa danada e oculta em alguns momentos especialíssimos do meu cotidiano. Revelo: quando ponho os fones de ouvido, a luz apagada, e um Noturno de Chopin – uma das minhas mais sentidas paixões - invade minha mente, lavando-a de toda sujeira acumulada durante o dia.

Ah, gente boa: a minha imaginação viaja numa velocidade que a inteligência artificial mais avançada jamais alcançará.