Já vimos na catequese anterior quem nomeia os bispos para determinada Igreja particular, mas quem nomeia o Papa? Hoje, a escolha é obtida a partir do Conclave (com chaves, lugar fechado, denotando o caráter restrito e secreto do evento), mas nem sempre foi assim. A escolha do Papa, enquanto Bispo de Roma, variou durante os séculos. Nos primeiros séculos, era por aclamação: o presbitério de Roma apontava algum candidato, e este era aprovado ou não pelo povo, que o aclamava festivamente. Na verdade, esse modo de proceder não dizia respeito à eleição do Papa, mas de todos os bispos em suas respectivas dioceses.
Com o passar do tempo e a significância temporal que o papado adquiriu, as eleições se tornaram mais acirradas e, às vezes, bem controversas, de forma que, algumas vezes, o poder civil teve de intervir, garantindo a ordem e reconhecendo o legítimo sucessor do trono de São Pedro. A sociedade civil de então sempre acompanhou de perto a eleição do Papa, com maior ou menor sucesso, tentando influenciá-la, ao ponto de, no século IX, o imperador estabelecer que, após a eleição canônica, deveria haver a confirmação por parte do poder laico para a validade da eleição.
Foi com a Reforma Gregoriana, no século XI, que, preocupados em garantir uma maior independência da Igreja na escolha do seu Pastor universal, levou à criação de um “colegiado” de clérigos, movido unicamente pelos interesses do Reino dos Céus e pelo bem da Igreja, que decidiria, mediante eleição, quem ocuparia o posto outrora ocupado por Pedro, o pescador. Assim, nasce o colégio dos cardeais com esta missão tão nobre. A experiência do colégio eleitoral era ainda incipiente e só aos poucos foi se aperfeiçoando, de forma que, com o Primeiro Concílio de Latrão, realizado em 1179, estabeleceu que era necessário que um candidato alcançasse dois terços dos votos para ser considerado o sumo pontífice. Esse mesmo concílio determinou, em um dos seus cânones, que aqueles que não aceitassem a eleição legítima, depois de alcançados os dois terços, seriam destituídos do estado clerical!
Por vezes, a escolha do sucessor de Pedro foi demorada e se prolongou o Interregno, nome do período em que a sede papal está vacante por ainda não ter escolhido um substituto para o pontífice anterior. Em 1274, no Concílio de Lyon, nasce o formato eletivo “conclave”, meio pelo qual o Papa Gregório X pretendia dar celeridade ao processo eletivo, evitando um interregno prolongado. O “conclave” também evitaria ingerências externas nas escolhas dos cardeais. Conforme as determinações de Gregório X, os eleitores deveriam reunir-se no palácio onde o Papa houvera falecido, no prazo de 10 dias. Quando iniciado o conclave, seus participantes deveriam evitar contato externo com o mundo; os eleitores poderiam levar um servidor, leigo ou clérigo e, caso em cinco dias não chegassem ao esperado consenso, um forte regime alimentar seria estabelecido, à base apenas de pão, água e vinho! Assim, o modelo de eleição “conclave”, nestas condições, pôs fim a um prolongado e desnecessário interregno.
Com a Reforma Católica, no século XVI, o conclave sofreu algumas modificações, graças às investidas do Papa Gregório XV, com os documentos Aeterni Patris, de 15 de novembro de 1621, e Decet Romanum Pontificem, de 9 de maio de 1622. Tais normas permaneceram inalteradas por muito tempo, até que Pio X, por meio da Constituição Apostólica Commissum Nobis, promulgada em 20 de janeiro de 1904, fustigou a atitude de cardeais que ingressavam no conclave pactuados com o poder civil. Em 24 de dezembro do mesmo ano, Pio X publica a Vacante Sede Apostolica, afirmando energicamente a não obrigatoriedade da observância, por parte do futuro Papa, em relação a pactos e acordos contraídos durante a eleição. As medidas de Pio X visavam dar maior liberdade de atuação ao Romano Pontífice no governo da Igreja Universal.
O Papa Paulo VI estabeleceu que os cardeais acima de 80 anos não poderiam mais votar no conclave (Ingravescentem Aetatem, em 20 de dezembro de 1970) e que o número poderia ultrapassar 120 cardeais (Romani Pontificis Elegendi, em 1 de outubro de 1975). A última reforma substancial acerca do conclave ocorreu com o Papa João Paulo II, por meio da Constituição Apostólica Universi Dominici Gregis, em 22 de fevereiro de 1996. Em 2013, o Papa Bento XVI operou pequenas modificações encontradas no Motu Proprio Normas Nonnullas.
Feita essa menção acerca do desenvolvimento histórico do conclave, vejamos sua configuração atual, aquela que elegerá o sucessor do Papa Francisco. Conforme a dinâmica assinalada na Constituição Apostólica de São João Paulo II, o conclave deve ocorrer no máximo 20 dias após a Sé ficar vacante (UDG, n. 35). Após a confirmação da morte do Pontífice, ou em caso de renúncia, estando a Sé vacante, os cardeais devem se reunir no Vaticano, em algum edifício designado. Instaura-se o conclave, isto é, a reunião secreta dos cardeais que irão eleger o Pontífice Romano.
Os cardeais eleitores ficam alojados na Casa Santa Marta (UDG, n. 43) e confinados nas dependências do Vaticano, sem contato externo (UDG, n. 44 e 45). Em caso de cardeais com problemas graves de saúde, admite-se um enfermeiro particular que o acompanhará (UDG, n. 42). Durante o período de isolamento, o Cardeal Camerlengo e os três Cardeais assistentes devem providenciar e aprovar as pessoas que, por prestarem serviços básicos, poderão ter contato com os cardeais eleitores: serviço de limpeza, alimentação, médico e confessores disponíveis para os participantes do conclave (UDG, n. 46).
Esses profissionais, antes de iniciarem suas tarefas, serão submetidos a um juramento de sigilo absoluto e perpétuo, cuja quebra é passível de severas sanções canônicas acerca de notícias no tocante à votação que eventualmente lhes cheguem aos ouvidos. O juramento inclui também a obrigação de não registrar ou gravar, sob nenhuma hipótese, algo relativo aos escrutínios papais (UDG, n. 48).
O número de cardeais eleitores não pode ultrapassar os 120 membros. Somente os cardeais abaixo de 80 anos são eleitores. Nenhuma outra dignidade eclesiástica, além da cardinalícia, pode ser parte ativa do conclave, nem alguma autoridade civil ou leiga (UDG, n. 30). Os cardeais acima de 80 anos, no entanto, podem ser eleitos Papa (eleição passiva). Um cardeal eleitor, a rigor, não pode se ausentar da cidade do Vaticano durante o conclave, exceto em caso de doença, sob certas condições (UDG, n. 40).
Se a ausência for justificada, ele pode retornar e, caso o conclave esteja em andamento, pode retomar sua participação. Se a ausência não for justificada, ele não poderá retornar ao conclave. Salvo essa cláusula, nenhum cardeal eleitor pode ser excluído da votação, quer ativa, quer passiva (UDG, n. 35).
Efetivamente iniciado, pela manhã celebra-se a Missa pro eligendo Papa. Na parte da tarde, ainda no primeiro dia, procede-se com o primeiro escrutínio (UDG, n. 49). Os cardeais eleitores, com vestes corais, em procissão solene e invocando o Espírito Santo, dirigem-se para a Capela Sistina do Palácio Apostólico, lugar e sede da realização da eleição (UDG, n. 55). O Camerlengo e seus assistentes garantem a privacidade do recinto. Os cardeais fazem o juramento (UDG, n. 53) e procedem com o escrutínio (votação).
As regras do escrutínio são: para alguém ser eleito, requer-se a quantidade de dois terços dos votos totais (UDG, n. 62). Uma eleição por turno (manhã e tarde) até que se obtenham os dois terços dos votos (UDG, n. 63). O escrutínio se dá em três fases:
a) Pré-escrutínio, na qual as fichas retangulares são distribuídas para cada cardeal; o cerimonial evacua-se da sala, e os cardeais escrevem o nome do seu candidato (UDG, n. 64).
b) Escrutínio propriamente dito, que compreende a deposição das fichas de voto na respectiva urna, a mistura e a contagem das mesmas, e o apuramento dos votos, realizados por três escrutinadores (UDG, n. 65).
c) Pós-escrutínio, que compreende:
1) a contagem dos votos, seu controle e a queima das fichas (UDG, n. 70).
Se no primeiro escrutínio não se chegar a um resultado em vista da eleição do novo pontífice, pode-se repetir por mais seis vezes (UDG, n. 71). Se, após a última tentativa, o conclave não eleger o novo pontífice, o Cardeal Camerlengo pode, combinando com os eleitores, mediante sufrágio da maioria, chegar a uma nova eleição válida, na qual disputarão ou somente os dois mais votados no escrutínio anterior, ou se abolirá a exigência dos dois terços, contentando-se com a maioria absoluta dos votos (UDG, n. 75). Todavia, o Papa Bento XVI alterou essa normativa, estabelecendo que os dois mais votados do escrutínio anterior disputariam a eleição, mas se requereria o sufrágio de dois terços dos votos, e os dois cardeais na disputa não poderiam votar (Normas Nonnullas, alteração do n. 75).
O sinal emitido para o mundo externo pelo conclave vem de uma chaminé: fumaça preta significa que ainda não foi eleito o novo pontífice romano. Fumaça branca significa que foi eleito o sucessor de Pedro!
Acompanhemos a dinâmica que medeia entre a eleição e o anúncio ao mundo do novo pontífice, caso o conclave alcance aquilo para que foi constituído:
"Uma vez efetuada canonicamente a eleição, o último dos Cardeais Diáconos chama para dentro do local da eleição o Secretário do Colégio dos Cardeais, o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias e dois Cerimoniários; em seguida, o Cardeal Decano, ou o primeiro dos Cardeais, segundo a ordem e os anos de cardinalato, em nome de todo o Colégio dos eleitores, pede o consenso do eleito com as seguintes palavras: Aceitas a tua eleição canônica para Sumo Pontífice? E, uma vez recebido o consenso, pergunta-lhe: Como queres ser chamado? Então o Mestre das Celebrações Litúrgicas Pontifícias, na função de Notário e tendo por testemunhas dois Cerimoniários, redige um documento com a aceitação do novo Pontífice e o nome por ele assumido” (Normas Nonnullas, n. 87).
O Cardeal Decano, da varanda da Basílica de São Pedro, anuncia ao mundo: "Annuntio vobis gaudium magnum; Habemus Papam: Eminentissimum ac reverendissimum Dominum, Dominum (Nome), Sanctæ Romanæ Ecclesiæ Cardinali (Sobrenome), Qui sibi nomen imposuit (Nome Pontifício)."
Feito o anúncio, o novo Papa surge diante da multidão e, da sacada mais famosa do mundo, dirige algumas palavras e abençoa o mundo inteiro.
Diz-se que no Vaticano existe uma sala, ao lado da Capela Sistina, na qual o eleito reveste-se das vestes papais, chamada com razão de sala das lágrimas. Lugar em que “cai a ficha” para o recém-eleito Papa e começa a pesar-lhe, em suas mãos, a férula que deverá apascentar a Igreja universal!
As condições básicas para que alguém seja Papa são que essa pessoa seja eleita e ordenada no grau do episcopado. No caso de os cardeais, reunidos em conclave, escolherem alguém desprovido da ordem do episcopado, bastaria que o eleito aceitasse a designação e sumariamente seria ordenado epíscopo, satisfazendo a normativa contida no cânon 330 § 1 e no número 88 da Universi Dominici Gregis.
Concluímos esta catequese suplicando a Deus que eleja o homem que Seu coração designou, em Sua misteriosa providência, e, por nós, supliquemos um coração grande para acolher o novo pontífice que nestes dias será eleito. Seja quem for, proceda de qualquer realidade eclesial, é sempre Pedro que apascentará a grei do Senhor Jesus.
Pe. Sérgio Ricardo Soares de Oliveira
Pároco da Paróquia Universitária de Santa Teresinha de Lisieux, Doutora da Igreja.