Era claro que o tema atrairia a atenção do grande público, seja pelo personagem envolvido, seja pelos tempos em que vivemos, que despreza a razão ou não parece dar espaço a nada mais que não seja a paixão ou o ódio - que se anulam em intensidade.

Eis que, diariamente, todas as vezes que saio de casa desde a semana passada, sou abordado por pessoas conhecidas ou não que fazem questão de comentar sobre a prisão de Fernando  Collor. Muitos, evidentemente, manifestando um sincero sentimento de vingança, o que eu entendo como parte indissociável da condição humana. E, no caso específico, bastante justificado. 

A verdade é que o ex-presidente fez muito mal a milhões de brasileiros, no exercício do cargo que ele exerceu e do qual foi expulso. Há, também, os que, funcionários de sua empresa, se viram vilipendiados e humilhados, o que me toca profundamente e me impulsiona à solidariedade - são estes, principalmente, que me vêm à memória nesse instante da vida nacional. 

Sem descartar, no entanto, a necessidade de que se faça justiça, exponho a minha opinião aos interlocutores, que formulei desde quando foi anunciada a decisão do ministro Alexandre de Moraes: não posso me sentir feliz com a prisão de um ancião, 75 anos, com males tão graves quando Parkinson, bipolaridade e apneia do sono.

Perdoem-me, mas me guio por algo em que acredito, seguindo Guimarães Rosa, na voz do filósofo Riobaldo Tatarana, no que me parece a mais perfeita definição de empatia:

 - O que demasia na gente é a força feia do sofrimento, própria, não é a qualidade do sofrente.

A Justiça, necessária, há de ser também compassiva, leitores e leitoras pacientes e tolerantes. 

E quanto à pergunta, compreensível, que vem na sequência – “e os outros?” –, eis que cabe uma reflexão: já faz um bom tempo que aprendi que Justiça e Judiciário não são a mesma coisa, e que podem protagonizar um bom momento da razão humana quando se encontram. O que, convenhamos, não me parece muito frequente.

Tenho ótimos amigos nessa importante área da construção da civilização, que existe – em tese – para possibilitar o convívio entre diferentes e desiguais, protegendo os mais fracos do poder dos mais fortes. Creiam: todos a quem me refiro aqui têm a exata consciência de que o direito não é uma ciência, mas que deve buscar a verdade alcançável, com seus operadores lutando bravamente para vencer os próprios preconceitos e sem se curvar à força da grana e do poder.

É possível? 

Tantas vezes foi e tantas vezes ainda será – nem sempre, no entanto, eis o lado doloroso desse enredo. A pergunta, portanto, há de continuar valendo: e os outros?

Sobre o STF, convém lembrar o ministro Moreira Alves, que manteve debates memoráveis com Sepúlveda Pertence e que foi um dos grandes que passaram por lá - com força de comando entre os seus pares: “No Supremo, não se faz justiça quando se quer, se faz justiça quando se pode”. 

Assim é em cima e nas instâncias abaixo. Nem sempre por motivos nobres, é verdade. Daí é possível entender a sede de vingança de todos nós, em algum momento das nossas vidas - é quando a Justiça fracassa para os homens e mulheres comuns.  

A literatura ficcional pode, sim, ajudar a entender esse caminho, da busca do que é justo, até se retomarmos o mesmo Guimarães Rosa e seu Grande Sertão: Veredas. É uma bela página da grandiosa obra o julgamento de Zé Bebelo - a construção de uma Justiça possível e aceitável, embalada pela dialética (convido o leitor a lembrar ou a conhecer). 

Jared Diamond, em O mundo até ontem, traz exemplos notáveis do fazer Justiça em sociedades tradicionais da África, abrindo um largo espaço, por exemplo, para o “intercâmbio emocional”, em substituição ao desejo e ao ato de vingança.

E até pela repetição de casos e de decisões, o que pode  levar tantas vezes à preguiça ou ao desinteresse pelo outro - vítima ou beneficiário das suas ações –, se faz necessário que cada magistrado tenha gravado na parede da sua consciência, e se necessário, do seu quarto de dormir, a frase definitiva de Sócrates:  

“É melhor sofrer uma injustiça do que praticá-la”.