No começo deste mês, dia 8, completaram-se 30anos da morte de Tom Jobim. Como imaginava, e até por falar tanto nele, fui cobrado para escrever algo sobre o Maestro Soberano, mas eu sabia que outros o fariam bem melhor do que eu, a exemplo do ótimo texto do poeta Geraldo Carneiro (“Música de Tom Jobim ainda representa o melhor do Brasil” está disponível na internet) – e para dizer exatamente aquilo que penso e acho do nosso reconhecido capital simbólico.
Tom, para mim, é como uma pessoa a quem abrimos a porta que dá acesso à nossa alma, alguém que vai se tornando íntimo, mesmo que nunca troquemos uma única palavra. Se houvesse essa oportunidade, que sei impossível, eu bem que saberia o que dizer: “Obrigado” – e ponto -, sem esperar resposta.
Assim como qualquer boa saudade, ele vai ficando melhor e maior a cada dia, apagando dores e sofrimentos que temperaram o nosso - quase - convívio. É a sabedoria da memória atuando em nosso favor, o que só é possível, imagino, onde não há culpas graves ou remorsos. Até porque os que nos provocam permanentes afetos, mesmo os que se foram, pesam demais na balança que pende para o valor da existência – eles também fizeram e fazem nossa vida valer a pena.
É mais ou menos assim: os maus momentos vão sendo engolidos, dia após dia, só retornando se os buscamos, num esforço que beira a autoflagelação. O bem-querer, acho, busca seu lugar nas nossas lembranças sem dar chance à dor – ele se impõe para que possa retornar, sempre bem-vindo, sem nem precisar ser chamado, e vai chegando e se achegando para buscar o que é e será dele, definitivamente. O que resta do lado de fora assim ficou porque segue as ordens da sábia memória, que o guarda no pacote da máxima “esquecer também é viver”.
Recentemente, pude ouvir vezes sem fim uma gravação em fita cassete que guardava e que deixara “esquecida” numa caixinha - física - bem fechada e quase escondida. Durante muito tempo ela permaneceu ali, em stand-by até que chegasse o dia em que a sua audição já não me cobrasse mais lágrimas, substituídas pela alegria do reencontro.
Adquiri, pela internet, um toca-fita usado e retomei o contato com um ótimo momento da minha vida como pai. Na gravação, estamos eu, Pedro, meu filho mais velho e que se foi, e Camila, cantando juntos, conversando e “compondo” (num trecho da fita, Pedro inventa de improviso uma canção sobre “índios”, alertando para os perigos do homem branco).
A partir daí, resolvi fazer a minha despedida da música publicada. Explico: gravei um CD, que vou disponibilizar muito em breve num streaming , com o título: Nós. São catorze músicas, começando exatamente com Pedro, a parceria que eu ainda não tinha feito em minhas aventuras musicais.
Claro que eu me emocionei, e muito, ao longo do trabalho – e eu já havia esquecido como isso dava trabalho, gente! Adianto que não tenho nenhuma pretensão de agradar a um público maior do que alguns poucos, mas confesso que poder retomar essa lembrança como se recebesse um abraço, um beijo, uma declaração de bem-querer, já me trouxe a melhor sensação sobre o que vale a pena na vida, que zela por ser finita e que não avisa despedidas.
Pois é, meus queridos e minhas queridas: a saudade prazenteira também ajuda a viver - graças a uma sábia que atende pelo nome de memória, disponível a qualquer um.