O uso de medicamentos a base de canabidiol tem despertado um grande interesse devido aos seus potenciais benefícios terapêuticos. No cenário nacional, as discussões sobre o tema ganharam força após, ano passado, começar a tramitar o Projeto de lei (PL) 5511/2023, que regulamenta o uso medicinal da cannabis no país.
Mesmo com diversos estudos apontando os benefícios do seu uso para o tratamento de uma série de doenças, a exemplo da ansiedade, depressão e epilepsia. Em Alagoas, o seu uso é pouco conhecido.
Para entender os principais benefícios desses medicamentos em comparação aos tradicionais e como obter acesso ao fármaco no Estado, o CadaMinuto conversou com o médico Freddy Mundaka e o advogado Lucas Sobral.
“Acolher os pacientes que procuram por tratamentos menos agressivos”
Após sofrer com problemas de saúde que não se resolviam com medicamentos tradicionais, o especialista no uso racional dos derivados canabinoides, o médico Freddy Mundaka passou a usar os derivados da cannabis medicinal e logo após fundou o Instituto Mundaka, o qual é responsável técnico.
“Minha prática clínica nasce de uma necessidade pessoal na procura por opções mais naturais e com menos efeitos adversos. Sofri antes da pandemia de episódios de dor crônica na região lombar, ansiedade e insônia persistente, diagnósticos com os quais não consegui boa resposta com as medicações convencionais”, relatou.

“Já após a pandemia, o uso dos componentes dos derivados da cannabis medicinal foi fundamental para tratar das sequelas que o vírus deixou”, acrescenta o especialista.
Ele conta que fundou o centro médico para acolher os pacientes que procuram por tratamentos menos agressivos e que não tiveram respostas satisfatórias, ou sofreram efeitos adversos com medicamentos alopáticos, principalmente o uso compassivo para diferentes condições.
Uso e benefícios
O médico explica que os componentes da cannabis, principalmente o Canabidiol (CBD), podem ser usados no tratamento de algumas doenças crônicas e neurológicas específicas.
Além disso, esclarece que a principal recomendação o uso está voltada ao tratamento de alguns tipos de epilepsia, como a síndrome de Dravet e a síndrome de Lennox-Gastaut.
Ele ainda elucida que os benefícios da cannabis medicinal também são comprovados para tratar dores neuropáticas, mas seu uso apresenta eficácia limitada, sendo indicado apenas para o tratamento de indivíduos resistentes a outros medicamentos.
Freddy pontua que a quantidade de concentração de THC e CBD varia muito de caso para caso, de acordo com o perfil do paciente e as particularidades de cada doença. Por isso, ele destaca que estudos mais recentes recomendam começar com doses mínimas e, ao longo do tratamento, dosar conforme o quadro de cada paciente.
Veja abaixo casos em que cada substância pode ser usada
CBD:
- Epilepsia refratária, quando não há mais resposta ao medicamento;
- Dores crônicas, como as da artrite e da fibromialgia;
- Parkinson;
- Controle de náusea e vômito em pacientes em quimioterapia (podendo ser associado ao THC);
- Alguns quadros de ansiedade, depressão, estresse e insônia.
THC:
- Quadros de espasticidade grave (rigidez muscular ou contrações musculares involuntárias) causados por acidente vascular cerebral (AVC) ou esclerose múltipla;
- Glaucoma;
- Controle de náusea e vômito em pacientes em quimioterapia (podendo ser associado ao CBD);
- Falta de apetite em pacientes com HIV.
“Os ganhos com a cannabis medicinal também podem se refletir em: maior autonomia para realizar atividades do dia a dia; melhora no sono e combate à insônia; melhora na qualidade de vida; aumento da percepção de felicidade, inclusive entre idosos", disse.
Ele ainda argumenta que é importante frisar que a prescrição do produto não é a mesma para todos os casos, nem mesmo para pacientes com os mesmos casos, precisa ser individualizada.
Efeitos adversos
O médico Freddy Mundaka orienta, contudo, que, como toda substância, existe um grupo de risco para o uso dos medicamentos. “As crianças e adolescentes com o cérebro na fase de desenvolvimento, até 25 anos aproximadamente, deverão ficar longe do uso do THC, por exemplo. Somente o médico com experiência e capacitado para tal prescrição poderá avaliar o risco e o benefício para cada condição patológica”, alertou.
Ele explica que entre os mais de 150 canabinoides, o THC possui maior necessidade de alerta pelo poder psicoativo (que age no nosso sistema nervoso), podendo provocar episódios de ansiedade, angústia, sudorese, boca seca, tontura, hipotensão, alterações da percepção, entre outros efeitos.
“Já o Canabidiol é mais tranquilo e bem seguro, porém precisamos observar as medicações em uso por causa das possíveis interações medicamentosas e avaliar as funções bioquímicas regularmente, principalmente as enzimas hepáticas”, comenta.
Garantia ao acesso
O advogado presidente da comissão de Direito da Cannabis medicinal e cânhamo industrial da Ordem dos Advogados do Brasil em Alagoas (OAB/AL), Lucas Sobral, ponta que, para obter acesso à Cannabis medicinal no estado, assim como, em todo o território nacional, é necessário que o paciente passe por um médico e, após avaliação, seja indicado o uso desse tipo de medicamentos.
“O médico vai avaliar o paciente para ver se ele é elegível, se pode ser utilizada uma terapia com cannabis e vai passar a receita. Com essa receita, ele pode comprar de três formas diferentes: ele vai a uma associação, a uma farmácia comum ou ele importa o medicamento. Isso depende de acordo com a receita que o médico passou”, explicou.

O advogado conta que, hoje, os principais desafios não consiste em obter autorização para o uso medicinal da substância, mas em comprar os medicamentos.
“Uma vez que a gente não tem uma produção, salvo os casos das associações de cannabis no Brasil, ou seja, a gente não cultiva a maconha propriamente dita, todo o processo para fazer esses medicamentos envolve insumos farmacêuticos que vêm de outros países. Então isso encarece muito toda a cadeia produtiva dos medicamentos”.
Em Alagoas, já existe a lei de número 8.754, vigente desde 2022, que permite o acesso universal ao tratamento de saúde com produtos de cannabis e seus derivados. Porém, Lucas pontua que não há uma regulamentação pelos órgãos competentes.
“O Poder Executivo deveria informar como esses medicamentos seriam disponibilizados, para quais os pacientes, para quantos pacientes, enfim. Isso ainda não aconteceu. O problema que a gente tem, hoje, é a falta de regulamentação desta lei”, defendeu.
“Não tem relação com a legalização da maconha”
O tema foi debatido na Assembleia Legislativa (ALE) no Estado, em uma sessão especial, idealizada pelo deputado estadual Ronaldo Medeiros (PT), que contou com a participação de especialistas no assunto.
Ao CadaMinuto, ele explicou que trouxe a discussão para o Legislativo alagoano, pois entende que o Alagoas deve fornecer o medicamento, já usado em todo o planeta, para a população com pouco acesso a remédios.
“A cannabis medicinal é um medicamento alternativo e mais natural do que os medicamentos tradicionais, cuja produção é hegemonizada por grandes laboratórios. Sua eficácia pode ocorrer nas mais diversas patologias e com poucos efeitos colaterais”, defende o parlamentar.
Segundo ele, a Cannabis medicinal é uma opção mais benéfica em relação aos medicamentos tradicionais justamente por ser menos agressiva ao organismo. No entanto, a utilização do medicamento ainda não é tão difundida entre a população, nem acessível.
“Há muitas pessoas com problemas neurológicos que são obrigadas a usar medicamentos dos grandes laboratórios farmacêuticos e estes geram efeitos colaterais, sendo agressivos ao nosso organismo”, reforça o deputado.
Para Ronaldo, o maior desafio em relação à liberação do uso do canabidiol no tratamento de doenças e sua utilização no Sistema Único de Saúde (SUS) é o preconceito.
“Quando falamos em cannabis medicinal, muita gente acredita estarmos falando do uso da maconha enquanto psicotrópico, como droga. E isso não é verdade”.
Ele reforça que “o debate não tem relação com a legalização da maconha”, mas sim com a necessidade de exploração das substâncias da planta para uso médico.
“Esse preconceito atrapalha o devido fornecimento da cannabis medicinal pelo SUS, pois o Congresso Nacional não dá a devida tramitação do tema. No Senado, o PL 5511/2023 está parado, aguardando relator, desde 2023, por exemplo", diz Medeiros.
"E mesmo com a comunidade científica e o Poder Judiciário já estarem com esse debate em nível mais avançado, o fato de o parlamento brasileiro não aprovar seu uso em definitivo, dificulta o devido uso pelo SUS”, critica o parlamentar.
Rede pública não qualificada
O presidente da comissão de Direito da Cannabis medicinal e cânhamo industrial da OAB/AL, Lucas Sobral, pontua ainda que o acesso ao uso dos medicamentos à base de cannabis ainda é muito caro, e que não tem uma capacitação dos médicos do Sistema Único de Saúde (SUS) para indicá-lo.
“Então, além de ser um tratamento caro, os pacientes precisam ir a uma consulta particular. E os médicos particulares que trabalham com cannabis não aceitam planos de saúde, então você tem que pagar, de fato, a consulta, que não é tão barata”, comentou.
O médico Freddy Mundaka também destaca que não existe inclusão das medicações com base de cannabis no SUS em Alagoas, diferente de exemplos como o de São Paulo.
“Ainda existe a judicialização para garantir custos de tratamento dos pacientes, tanto de planos de saúde particulares quanto no SUS. No caso do SUS, essa falta de legislação acaba onerando o sistema e ocupando mão de obra devido a análise individual dos casos que são judicializados”, reforçou.
O que diz a Prefeitura de Maceió?
A Secretaria Municipal de Saúde de Maceió (SMS) informou ao CadaMinuto que o Município ainda não possui um programa destinado ao fortalecimento da Cannabis Medicinal na capital.
O que diz o Governo de Alagoas?
Em nota enviada à reportagem, a Secretaria de Saúde do Estado de Alagoas (Sesau) informou que já realizou a primeira reunião do grupo de trabalho dedicado à avaliação da incorporação da cannabis para uso medicinal no SUS no âmbito estadual.
A gestão estadual afirma que a comissão terá a responsabilidade de elaborar os critérios para a dispensação desses medicamentos. “A iniciativa demonstra a responsabilidade da Sesau na oferta de alternativas terapêuticas no estado”, reforça a nota.
De acordo com a Sesau, até que os critérios sejam formalmente estabelecidos e implementados pela comissão, a liberação dos medicamentos continua a ser realizada por meio de determinação judicial.
*Estagiária sob supervisão da editoria