Um breve bate-papo com Nando Cordel

21/04/2024 07:00 - Ricardo Mota
Por redação
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Tem gente que até que não o vê com o mesmo brilho das grandes estrelas da MPB, mas ele é um compositor de rara inspiração, com suas letras simples e belas. Além do mais, tem uma ótima presença de palco, o que eu pude comprovar de novo, esta semana, no interior de Pernambuco.

Não foi a primeira vez que eu conversei com Nando Cordel, poeta inspirado e sensível, como bem mostram De volta pro meu aconchego e Gostoso demais, ambas em parceria com esse gigante manso e talentoso Dominguinhos chamado (eis uma saudade boa de lembrar).

Ainda no início da década passada, pude entrevistá-lo por uma hora, na TV Pajuçara. Então, ele ganhou minha simpatia já de saída: ao encontrá-lo na porta da empresa, saindo do carro, perguntei de onde vinha:

- Do Recife.

- Veio fazer um show por aqui?

- Não, vim só para a entrevista.

Claro que eu fiquei grato e o papo rolou de maneira fácil, escorreita, com muitos pontos de identificação. O artista nascido em Ipojuca, no vizinho Pernambuco, contou um pouco da sua vida, trouxe histórias divertidas e até anunciou um dos números que repete em seus shows, com muito humor, e que teria acabado de compor: Eu quero o meu dinheiro (e só para lembrar mais algumas das suas canções, entre outras: É de dar água na boca e Você endoideceu meu coração).

Eis uma das características do compositor Nando Cordel: ele consegue extrair de palavras simples, de uso comum, uma insuspeita e oculta beleza. Quem achar que isso é fácil, pois que tente fazê-lo e vai, quase sempre, se deparar com um muro intransponível pela frente. Não que eu duvide da capacidade do leitor e da leitora, mas boto em jogo a minha própria tentativa de construir algo semelhante. Aliás, o mais perfeito representante desse território criativo, que parece plano, mas é íngreme, é o nosso brasileiríssimo Dorival Caymmi (o que eu pude dizer ao homem do Cordel, agora). 

Hospedamo-nos no mesmo hotel em Garanhuns, onde ele foi se apresentar na abertura do São João de Pernambuco e eu fui assistir. No café da manhã, com cuidado para não ser invasivo, abordei-o enquanto nos servíamos, falando da apresentação da noite anterior. Ele perguntou com expressa alegria se eu havia gostado, e esse foi o começo de uma conversa rápida, sobre música e carreiras (eu disse que era jornalista).

Um homem gentil, o Nando Cordel, que não acusou o golpe nem mesmo quando uma mulher o cumprimentou carinhosamente e em bom tom, dizendo que ele havia embalado a sua juventude - ela já beirando os 70 anos, assim me pareceu. Ele sorriu e agradeceu, como é de acontecer com os que são embalados pela bonomia. 

Olhei em volta e vi que no salão do hotel aquele artista – estava com sua indefectível boina – de inaparentes 70 anos e mais de 600 composições era o tema geral das conversas. Claro, seu sorriso no rosto era um chamado para a aproximação do público. 

Ainda bem que ele pôde, com alguma tranquilidade, tomar o café matinal com sua esposa, mas na sequência começou a temporada das fotos - que o celular existe para isso, não é não? (Se não era para ser assim, acabou sendo.) Ele atendeu a todos, abraçou, conversou e se havia algum cansaço, disfarçou muito bem.

Eis que uma pessoa do meu grupo achou de chamá-lo à nossa mesa, o que ele atendeu prontamente. Algo constrangido, pedi desculpas e falei sobre o fim do sossego trazido pelo celular às pessoas públicas. Ele, com um sorriso largo e acolhedor, rebateu:

- Nada disso, eu gosto muito, fico feliz de fazer fotos com quem me pede. Quando eu comecei a carreira acompanhava, em alguns shows, Luiz Gonzaga e Dominguinhos. As pessoas pediam para fazer fotos com eles, e eu ficava ali com água na boca, doidinho para ser fotografado. O Dominguinhos dizia: “Tire uma foto com esse rapaz aqui, ele se chama Nando Cordel”, e as pessoas respondiam: “Esse aí não”. Então, agora se alguém me chama, eu vou prontamente. Até porque eu não sou melhor do que ninguém.

Ante a nossa reação, de quem estava se divertindo com a conversa descontraída, ele completou:

- Antes do celular era mais complicado. A pessoa chegava, pedia um autógrafo e dizia: “Escreva uma mensagem bem bonita aí, para eu guardar comigo”. Ou então: “O autógrafo é para a minha mãe, que está doente. Diga alguma coisa que ajude ela a melhorar a saúde”. Hoje está mais fácil.

Dando desfecho à conversa, perguntei se o veria em Caruaru, nas festas juninas. Ele contou que passaria o mês das fogueiras na Bahia, fazendo apresentações em várias cidades. Desejei sucesso a ele e ainda fiz um breve comentário sobre a mistura de atrações que têm sido levadas aos palcos interioranos nas festas de São João do Nordeste - juntando as estrelas do bom forró com os ídolos do breganejo.

De novo, Nardo Cordel:

- Pra gente é difícil. Um dia desses fiz um show em que o convidado mais badalado era... (do breganejo), que faz muito sucesso com a moçada agora. Resultado: eu não tinha um só fã naquela plateia, era tudo dele. Fiz meu show o melhor que pude, porque respeito qualquer público, mas sem a mesma alegria, não é? Quando o público canta junto, o artista fica realizado e até melhora a performance. 

Eu acho que aquela noite, mesmo para a plateia que aguardava o seu ídolo pop, ficou mais acolhedora. Afinal, música boa faz bater em harmonia qualquer coração.   

Deixei o salão do hotel, mas Nando Cordel por lá ficou atendendo os hóspedes e os funcionários do hotel, sem distinção, todos chegando descontraídos e bastante à vontade, sem a menor cerimônia.

Não foi difícil concluir sobre as razões que fazem esse artista, com seu sotaque, que é tão nosso, transbordar a natural juventude de quem vive do que gosta. 

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