CARRO DO OVO

19/04/2024 16:47 - Artigos
Por Jeno Oliveira
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Não há arma mais poderosa de comunicação do que aquela que se repete a exaustão. O interlocutor foge da mensagem, mas a mensagem não foge do interlocutor. Ela o persegue pelo resto do dia até a hora de ir para cama. É bem verdade que, em geral, nos comovamos muito mais pelo que nossos olhos vêem do que por aquilo que nossos ouvidos escutam. O mar de Maceió no verão, com sua água azul e inerte é a prova disso. Nada ali é preciso ser dito ou escutado, só contemplado. Quando a arma de propaganda é poderosa, usam-se os dois artifícios, numa artilharia irredutível e implacável. Foi assim em todas as guerras do século XX, que sempre foram antecedidas por uma alienação de massa deliberada e muito bem executada. Nenhuma autocracia consumou-se sem cúmplices.

O ovo está em todas as mesas do Brasil e também no dia a dia daqueles que sequer têm mesa. Muitos nutrionistas confessam que não há melhor proteína do que aquela que se encontra nele. Dizem até que ajuda na prevenção de doenças como o câncer e enfermidades do coração. Eis uma geração que precisa de nutrientes que combatam esses males, pois, nunca se alimentou tão mal como se alimenta agora. Biscoitos, salgadinhos, finnis, nutelas e uma lista infinita de bobagens coloridas e processadas. Onde foi parar a vitamina de banana com leite de vaca? A papa de aveia? Os bolinhos de feijão com arroz e farinha amassados na mão e que eram servidos em um único recipiente de plástico para bocas distintas.

Ouvi de uma especialista que, se não bem frito, o ovo pode causar males a saúde . Aquele outro doutor de origem árabe disse que deve ser mantido sobre refrigeração e não deve ser consumido cru ou semi cru. Como ficam as pessoas que viveram antes de 1926, ano que a empresa norte-americana Servel registrou a patente de invenção da geladeira doméstica. A internet só é benéfica até certo ponto. Não dá para acreditar em tudo que se ouve ou em tudo que se diz. Na pré-temporada do campeonato infantil de futebol do SESI o treinador nos obrigava a comê-lo cru, pois segundo ele, ficaríamos fortes como o incrível Hulk. Tínhamos por ali entre 13 a 14 anos de idade.

As sete da manhã a propaganda invade a casa. O timbre artificial da voz do anunciante é único. De fundo, uma trilha sonora que parece ter sido composta pelo anjo rebelde, fideliza a informação. É automatico. As nove, em outra rua, ele surge de novo. As 10, no exame de rotina, a propaganda reaparece. Na hora do almoço; no chá das quatro e na hora do jantar. O carro do ovo é implacavel. De fato, uma aula empírica de propaganda modesta que causa inveja nos goebbels da vida. É quase um culto a personalidade.

 

Crônica – Jeno Oliveira

Maceió, 17 de abril de 24.

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