Em Maceió, moradoras de favela dependem de auxílio e doações para comer

08/04/2024 06:00 - Especiais
Por Jean Albuquerque e Laura Gomes*
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“Já cheguei até a ocasião de pedir na rua para me alimentar, que é melhor do que a gente roubar. Às vezes, a gente é xingada, esculhambada: 'tão jovem, porque não procura um emprego', mas hoje em dia tá difícil o emprego”, relata a despenicadora de sururu Eleusa da Silva, de 48 anos, com o olhar distante, convivendo com a incerteza do que irá comer no dia seguinte.

Ela é uma das moradoras da Favela Mundaú, às margens da lagoa de mesmo nome, localizada no bairro do Vergel do Lago, parte baixa da capital alagoana. A principal fonte de renda dos moradores é o sururu molusco considerado Patrimônio Imaterial de Alagoas, dinheiro proveniente da pesca e do tratamento do alimento para consumo, que enfrentam a escassez e os baixos preços pagos pelos intermediários.

A Mundaú, que sofre com a ausência de saneamento básico, atualmente abriga cerca de 70 famílias que residem em moradias improvisadas, feitas com restos de lona e madeira, explica o líder comunitário Evanildo do Amor Divido, de 51 anos, conhecido popularmente como “baiano”. A região é composta por quatro favelas, além da Mundaú, também há a Sururu, Peixe e Muvuca.

Sexta capital mais desigual do país

A situação de Eleusa pode ser exemplificada pelos dados do Mapa da Desigualdade entre as Capitais, elaborados pelo Instituto Cidades Sustentáveis e divulgados em 26 de março passado. O levantamento aponta que Maceió, com uma população de 1,025 milhão de habitantes, segundo os dados do Censo de 2022, ocupa a sexta posição entre as cidades mais desiguais do país. Este ranking considera diversos fatores, como indicadores de educação, renda, pobreza, trabalho e ações climáticas.

A capital alagoana aparece com 428 pontos, 249 pontos a menos que a primeira colocada, que obteve 677 pontos. No topo do levantamento, Curitiba figura como a capital mais desigual do país. Abaixo de Maceió, estão apenas as capitais: Rio Branco, Manaus, Belém, Recife e Porto Velho.

Assim como Eleusa, outra moradora da favela Mundaú enfrenta os impactos da desigualdade na capital. A despenicadora Petrúcia da Paixão, de 54 anos, também compartilha da mesma dura realidade. “Aqui, somos abandonados, esquecidos por todos. Sabe quando se lembram de nós? No dia da eleição”.

Diante da incerteza sobre se terá alimentos diariamente em sua mesa, a marisqueira relata que precisou começar a tomar remédios controlados para dormir. “Estou doente, fui a médica e ela disse que estou com problema de ansiedade, e perguntei: 'o que é ansiedade?' Ela explicou ser o mesmo que pânico, depressão, é tudo. Estou tomando remédio controlado depois de tudo o que aconteceu aqui”, relata.

Além do pouco que consegue na venda do molusco, Petrúcia, que mora sozinha em um dos barracos, também é beneficiária do Bolsa Família, programa de transferência de renda que contemplou 538,69 mil famílias em março, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento e Assistência Social. Quando o auxílio não garante alimentos na mesa, ela conta com a ajuda de doações e de familiares.

Barracos improvisados na Favela Mundaú, no Vergel do Lago - Foto: Maciel Rufino

Ideia de República e redemocratização nunca se concretizou

O doutorando em sociologia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Adson Ney Amorim, de 30 anos, que pesquisa a relação entre urbanização e conflito urbano, destaca que, ao falar sobre desigualdade, é importante ter em mente que os indicadores se apresentam apenas como uma espécie de relato e não como um aspecto determinante da realidade.

Amorim esclarece que, considerando os índices mais recentes de geração de empregos formais, a capital alagoana gerou 60% dos empregos em Alagoas e tornou-se a capital do Nordeste que mais abriu postos de trabalho. “Ao mesmo tempo, ocupa as primeiras posições em índices de insegurança alimentar na região. Veja, são informações contraditórias, que ajudam a entender como não há uma relação de implicação direta sobre a qualidade de vida”.

“Os serviços e a informalidade sempre foram a tônica das possibilidades de vida das pessoas, da maior parte delas, os índices de educação formal muito baixos, sempre abaixo das médias regionais e nacionais. Então, falar de desigualdade é falar desses bloqueios, que a ideia de república e de redemocratização nunca se concretizou em Maceió, por exemplo”, defende o sociólogo.

Além disso, o pesquisador alerta que o poder político sempre esteve muito concentrado entre grupos que administram o Estado e, ao mesmo tempo, controlam fortunas ligadas ao latifúndio da cana. Ele ressalta que Maceió teve sua formação fundamentada nas desigualdades, “porque quem constitui essa cidade como centro urbano, a expansão dessa cidade, são esses trabalhadores expulsos de usinas e muitas vezes loteando áreas antigas de usinas, sobretudo aqui nessa parte do Benedito Bentes e tudo mais”.

“A gente tem uma cidade, constituída a partir de uma herança de violência brutal, de patrões sobre trabalhadores. Desde a concepção de ocupação dessas terras, desses territórios que hoje são entendidos como territórios da pobreza, sobretudo aquela parte ali do complexo lagunar, Levada, Brejal, Vergel, toda essa região que passou a ser ocupada com essa vinda de trabalhadores expulsos de plantações e posteriormente dessa parte mais alta da cidade”, acrescenta.

Outro lado

Em nota ao Cada Minuto, a Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, Primeira Infância e Segurança Alimentar (Semdes) explica que as informações utilizadas pelo Instituto Cidades Sustentáveis para a realização da pesquisa são do primeiro ano da atual administração. “Os dados do estudo realizado pelo Instituto Cidades Sustentáveis utilizam como base indicadores recolhidos até o ano de 2021, o primeiro da atual gestão”.

A Semdes ressalta que Maceió e Alagoas estão marcadas por desigualdades. Com 14% da população sem acesso à leitura, sendo o estado que mais tem analfabetos no país, uma consequência direta de mais da metade da população em situação de pobreza.

“O estado concentra mais da metade da sua população vivendo na pobreza e é o que acumula o maior número de analfabetos no país, com 14% da população sem acesso à leitura”, afirma a pasta.

Além disso, a secretaria afirma que a atual gestão da cidade foi a que mais investiu entre as capitais brasileiras nos últimos anos, segundo o Instituto Compara Brasil. “Entre 2019 e 2023 a cidade aumentou os investimentos em 1.166,50%, investindo mais de R$1 bilhão em obras e projetos que estão mudando para melhor a vida das pessoas”.

Ainda finaliza afirmando que, atualmente, a capital tem o menor índice de desemprego do Nordeste. “Maceió tem hoje a menor taxa de desemprego do Nordeste e, em janeiro deste ano, de cada 10 empregos criados em Alagoas, 9 estão em Maceió, de acordo com o Cadastro Geral de Empregos e Desempregos (Caged)”.

*Estagiária sob supervisão da editoria

Morador da Favela Mundaú prepara o sururu para ser comercializado - Foto: Maciel Rufino 

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