A ineficiência da educação pública brasileira é comprovada pela própria educação pública brasileira, na medida em que eles abrem cotas em universidades públicas brasileiras para alunos da educação pública brasileira. Basta raciocinar. É um sistema educacional réu confesso em sua própria incompetência. Nós não formamos bem os alunos do ensino fundamental, mas os daremos cotas para compensar nossa limitação, para que eles disputem em pé de igualdade com os alunos do ensino privado por uma vaga no ensino superior. E sem querer, os adeptos deste modelo, justificam aquilo que eles tanto condenam e demonizam: a privatização – nem que seja por isenção de imposto.

Foram quatro dias de tentativa. Às manhas ela saia de casa com a luz tímida de um sexto do sol surgindo impetuoso no horizonte para enfrentar uma longa fila e burocracias, na esperança de que os três filhos homens fossem matriculados. Eu mesmo – o caçula - só descobri as boas novas quando recebi o material escolar e o fardamento completo sobre minhas mãos miúdas – uma calça azul marinho de brinho, a camisa branca de algodão e o tênis também azul marinho no estilo conga – menos ridículo apenas alguns segundos. Depois de muito vai e vem, minha mãe conseguiu as três vagas. Um feito improvável, e naquela idade, eu não estava nem aí para o tênis engraçado.  

Na semana anterior, véspera de minha estreia na nova escola, uma agulha de costura teve a infeliz ideia de penetrar na panturrilha de minha perna esquerda infantil e frágil. Aos 12 anos eu me submeti a minha primeira intervenção cirúrgica para retirar o objeto ponto e agudo indesejado de meu corpo quase imaculado. Deu tudo certo, mas fui obrigado a perder quase quinze dias de aula. No hospital, fiquei conhecido como o menino da agulha.

Recuperado e já sem os pontos, fui apresentado aos novos colegas com quase três semanas de atraso. Eu estava na sexta série, que hoje corresponde ao quinto ano fundamental. O prédio impetuoso, com tudo no lugar e projetado metricamente para funcionar. Logo na entrada uma guarida moderna, um jardim com uma grama verde esmeralda impecável, seis ou sete palmeiras imperiais fincadas na dianteira - que hoje estão bem crescidas – e uma porta de vidro volumosa para receber os alunos. O pátio expansivo, cheirando a pinho sol, arejado e com o piso brilhando mais que olhos de moça apaixonada. Nem um cabelo de sapo no chão. As salas idênticas, com janelas de vidros que vão até o teto – na vanguarda da arquitetura - e as paredes brancas e rigorosamente poupadas. Nenhuma mancha ou pichações com frases de ordens ressentidas ou filosofias odiosas. Ai de quem se metesse a fazê-las.

Nas segundas feiras, entravamos em forma como nos quarteis: a bandeira do Brasil era erguida e cantávamos o hino nacional após a saudação do diretor Milton, do qual a austeridade e o zelo afetuoso, o fez ser respeitado por todos – alunos, funcionários e corpo docente. Carregava um olhar de pai presente, e estava sempre a verificar pelo pátio e corredores a performance dos alunos e funcionários. A merenda, a aula prática de técnica agrícola, o futebol de salão, a banda fanfarra, as belas balizas, o banheiro cheiroso e com espelhos, as seções de saúde bucal e as aulas de carpintaria que nos deixavam mais próximos de Jesus.

As unidades educacionais da fundação Bradesco – que nasceu em 1956 do sonho do banqueiro Amador Aguiar - é um exemplo empírico de como o dinheiro dos pagadores de impostos podem ser melhor administrado. Além da satisfação de amparar quem precisa, a prática ajuda a promover a marca e, em alguns casos – como o da empresa citada nesta crônica - resulta em abatimento no imposto de renda. É de inspirações como esta que precisamos.

Crônica – Jeno Oliveira

Maceió, 19 de outubro de 2023.