Tenho acompanhado com sincero pesar o sofrimento do meu amigo e compadre Poeta Sidney Wanderley, torcedor do Botafogo. Curtindo a proximidade de ser campeão brasileiro depois de 30 anos, ele retomou uma paixão que estava adormecida e agora, na mesma intensidade, enfrenta um luto - que eu acho prematuro - que lhe rouba horas de sono, serenidade e alguma alegria de viver.
Conversamos rapidamente sobre isso, na semana passada, às vésperas da decisão da Copa Libertadores da América, em que o meu Fluminense (“Grandes são os outros, o Fluminense é enorme”, Nelson Rodrigues) finalmente conquistou o título inédito - para nós.
Triste constatação: a minha paixão adolescente ainda se mantém muito viva, disparando o coração ao primeiro sinal de perigo. Pior: antes da porfia, a ansiedade se esparrama pelos meus ossos e músculos, como seu eu tivesse perdido o comando de mim mesmo. Tudo passa a girar em torno do que aconteceria dentro de campo, ainda que só por um tempo. Mas como dói!
Rapidamente, após a vitória, volto ao meu estado normal, sem mais considerar a possibilidade de ter dado errado, o que me deixaria emocionalmente destroçado, catando pedacinhos da minha vontade de viver, espalhados pelo chão onde tombam os vencidos.
Foi Nietzsche quem disse: “Aquilo que não me mata só me fortalece”. Vamos lá: ou disse num instante de loucura, o que é bastante provável; ou porque nunca torceu verdadeiramente por um time de futebol, o que seria uma justificativa profundamente filosófica e emocionalmente aceitável.
Não imagino, desde sempre, a minha vida sem futebol, já repeti tantas vezes. A questão aqui posta é que a gente crê que a maturidade supera os sentimentos que imaginamos pueris, nascidos lá na infância, esta que o adulto está convencido de que ficou no passado. Qual o quê! Esses sentimentos precisam de uma estaca enfiada no peito, uma bala de prata, para que possam ser dados, finalmente, como mortos.
Com o terno mais bonito (do meu time), acompanho a peleja contra os argentinos, sem odiá-los, deixo claro, mas sem abrir mão da minha felicidade. Nesse caso, não tem jeito, gente: que eu fique com a comédia, eles com a tragédia!
Mas eis que a vida real me chama, e o noticiário cumpre o seu papel de nos trazer de volta a miséria humana, insana e perversa. Está em toda a imprensa, nacional e local: o pequeno Gui, torcedor do Vasco da Gama (do seu Luiz Mota) gravou um vídeo cantando o hino mais bonito do mundo – o único de que eu gosto. Fazia uma homenagem ao seu avô, tricolor de coração, mas a turma não perdoou e o Tribunal do Facebook lavrou a mais dura sentença.
(Mila, minha filha, me contou, não sei se para me agradar, que o corintiano João Vicente, meu neto primogênito, disse que estava torcendo pelo Flu contra o Boca. Mas falta aprender o hino, viu?)
Ora, meus caros, quantas vezes assisti ao meu CRB, ao lado do meu arquirrival Fredão (que cooptou a Mila para o seu Palmeiras), no meio da torcida do CSA, sem que nunca fosse ao menos xingado de forma mais ríspida. Algumas brincadeiras, tudo bem, até porque o futebol que tanto faz sofrer também nos cobra alegria e humor.
Ou vocês acham que torcedores são aqueles grandalhões musculosos/adiposos, saídos das academias, que ameaçam jogadores, treinadores, dirigentes e até matam os adversários/inimigos? Nada disso. Eles amam o grupo de que fazem parte, a tal torcida organizada. Aliás, organizada para quê?
E, por favor, não me provoquem dizendo que o Manchester City está esperando o tricolor, no Mundial de Clubes. Para quem não sabe, veja o que previu o mesmo Nelson lá de cima, “40 minutos antes do nada”:
- Eu vos digo que o Fluminense é o melhor time do mundo. E podem me dizer que os fatos provam o contrário, que eu vos respondo: pior para os fatos.
Sabedor disso, acho que posso dormir em paz.
Pelo menos até que dor da morte iminente, sina de todo torcedor, volte a ferir os meus dias.

Ricardo Mota