Maceió não tem plano de mobilidade urbana conforme estabelece a Política Nacional de Mobilidade. O trânsito da cidade está cada dia mais intenso e a quantidade de carros e motocicletas cresce diariamente. Em média 25 veículos estreiam por dia no tráfego da cidade, que tem atualmente quase 400 mil veículos.

Segundo o doutor em urbanismo e especialista em mobilidade urbana, Renan Silva, de 2000 a 2022, a capital alagoana aumentou a frota de motocicletas em 1.700% e a de carros, 420%. Em contrapartida, no mesmo período, a população maceioense cresceu  em torno de 20%.

Em entrevista ao CadaMinuto, Renan Silva fala sobre a falta de mobilidade urbana em Maceió e os impactos que ela provoca. O especialista falou também sobre as possíveis soluções para melhorar a mobilidade da cidade e sobre a implantação dos radares pela Prefeitura, para controlar a velocidade dos motoristas em vias de grande tráfego.

Confira a entrevista:

Como você avalia a quantidade de veículos que vemos nas ruas de Maceió? Você acha que a cidade comporta?

Maceió hoje tem quase 400 mil veículos. De 2000 a 2022, enquanto a gente teve um crescimento populacional em torno de 20%, houve um crescimento na frota de motos de mais de 1.700%. Na frota de carros, 420%. Então, é um crescimento muito substancial que pressiona muito a infraestrutura urbana, além de gerar várias externalidades negativas. Você tem uma infraestrutura diária que é limitada e que não pode ter a perspectiva de que ela seja expandida indefinidamente para atender essa pressão espacial, principalmente, pois esse crescimento de veículos provoca uma provisão de infraestrutura viária que é muito cara e necessita de um recurso que é o mais caro que se tem no ambiente urbano que é a terra, espaço. Então, a cidade não comporta, não tem como comportar. Pensando em cidades de uma forma geral, elas se organizam dentro de um território, dentro de um espaço delimitado e esse espaço está sendo ocupado de diversas formas para funções de habitação, comércio, serviços e indústrias. Esses espaços, cumprem funções com as atividades humanas e para que essas funções ocorram as pessoas precisam se mover. Se o espaço é limitado a gente precisa pensar em utilizar esse espaço da forma mais inteligente possível e otimizar esse recurso precioso que é o espaço. Com isso, é difícil pensar de que forma a gente vai conseguir comportar e equalizar a demanda espacial com esse crescimento tão grande da frota de veículos motorizados individuais.

 

A cidade tem um plano de mobilidade urbana que atende as diretrizes da Política Nacional (Lei 12.587)?

Maceió não tem plano de mobilidade. Inclusive, é uma obrigatoriedade que já está vencida e que na Política Nacional de Mobilidade Urbana se estabelece que o não cumprimento, não atendimento a essa obrigatoriedade impede a cidade de receber recursos federais para investimento. Então, é uma política pública fundamental. Maceió já tem alguns instrumentos importantes, embora a não tenha plano de mobilidade, a cidade tem instrumentos que podem ser utilizados como referências. A gente tem uma pesquisa origem/destino, que foi feita em 2014, como parte do estudo de viabilidade de implantação do VLT, que tem muitos dados, muitas diretrizes. A gente tem planos para modos não motorizados que foram desenvolvidos em 2016, salvo engano, que tem até a minuto de projeto de lei falando sobre fontes de financiamento para a qualificação de calçadas, por exemplo. A gente tem, inclusive, um plano diretor de transportes urbanos de 1982, que embora já tenha 41 anos, ainda segue com muitas questões atuais, tanto no âmbito da compreensão do território de Maceió, quanto no direcionamento de políticas públicas que a gente poderia, até hoje, utilizar como referência para adotar. Além desse instrumentos que a gente tem em mãos para utilizar, para pensar a mobilidade na cidade, a gente tem questões lógicas de conhecimento empírico muito bem consolidado e experiências práticas em outros lugares. São diversas experiência pelo mundo que a gente poderia adotar no cenário local.

 

Quais os impactos do modelo de mobilidade urbana atual de Maceió?

O crescimento de frota em Maceió gera, por exemplo, engarrafamentos, que para além de um problema de mobilidade em si, as pessoas perdem muito tempo no engarrafamento, isso leva a perda da saúde física e mental, faz com que acidade perca produtividade e isso gera um impacto na ordem de 1% a 2%  no PIB da cidade em geral. Também podemos citar a questão da poluição atmosférica, tanto na poluição que impacta diretamente as pessoas no entorno, como o monóxido de carbono, como os gases do efeito estufa, além dos sinistros de trânsitos. O crescimento de 1700% das motos, por exemplo, mostra que uma boa parte das pessoas que foram para a moto migraram do ônibus, que registra uma perda muito significativa de passageiros ao longo dos últimos anos. Depois da pandemia teve o pico, houve uma pequena recuperação, em 2021, 2022, mas ainda assim num patamar muito abaixo do que já se chegou a ter aqui em Maceió. Essa migração, do transporte coletivo para moto gera um aumento de sinistros e lesões, porque a moto é um veículo em que a pessoa fica muito mais vulnerável de quando ela está em um ônibus. Claro que existem vários fatores que levam a essa migração e as pessoas elas são inteligentes, elas colocam prós e contras na balança na hora de escolher a forma de como elas vão se mover. Então, se o transporte coletivo não é viável, é desconfortável, inseguro ou qualquer coisa dessa natureza, se ele não apresenta atributos que atraiam as pessoas a utilizá-los elas vão fugir deles na primeira oportunidades que elas têm. E é legitimo as pessoas quererem fazer isso.

 

Quais as soluções para melhorar a mobilidade urbana da capital alagoana?

Pensando numa escala macro, em como o sistema pode funcionar da melhor maneira, a gente precisa fazer o que as cidades por aí a fora fizeram, conseguindo melhorar um pouco o trânsito e qualificar a mobilidade. É preciso criar um ambiente em que os diversos modos de transportes tenham uma mínima qualificação para as pessoas dentro da diversidade imensa que existe numa sociedade. Tem pessoas com rendas e hábitos diferentes, que trabalham a distancias diferentes de onde moram, enfim, as pessoas são muito diversas. Então, o segredo, que não é segredo nenhum na realidade, é que as pessoas na sua diversidade tenham a oportunidade de escolherem como se mover. Para isso, a gente precisa qualificar os diversos modos de transporte, para que eles sejam atrativos, para que as pessoas de fato utilizem e tenham o direito de usar um modo de transporte por escolha e não por imposição

 

O incentivo de alternativas como o compartilhamento de corridas, menor deslocamento, rodízio de veículos, são eficientes para amenizar o problema de mobilidade da cidade? O que mais poderia ser implantado?

O termo alternativo não é muito construtivo. Talvez, alternativo é o modelo que se consolidou. Esse modelo rodoviarista com a mobilidade focada no transporte individual motorizado, que se consolidou em grande parte do mundo e aqui no Brasil, principalmente a partir da década de 50, mais fortemente a partir da década de 60. Quando se fala em alternativo eu digo que não é muito construtivo porque se estabelece que existe um modelo, como se esse modelo fosse o adequado, o ideal  e que todo mundo deve se mover de carro ou de moto, principalmente de carro. Os que não podem ou que têm alguma questão particular usam modos alternativos.

O rodízio de veículos ele é discutível, porque ele pode até ser usado como uma medida de redução, de pressão para a redução do uso de transporte individual motorizado, mas você precisa ter essa rede para que as pessoas tenham opções. Além disso, em São Paulo, por exemplo, que o rodízio de veículos foi implantado há bastante tempo, existem muitos registros de pessoas, aquelas que têm renda para isso, que acabaram comprado outro veículo com um outro final de placa e circula da mesma forma no dia que ela teria que deixar o carro em casa,  usando outro para circular. Então, não deveria ser o foco, é uma medida pequena diante de uma grande diversidade de ferramentas que a gente tem em mãos.

 

Considerando o contexto de mudanças climáticas, pode-se sonhar com uma mobilidade urbana sustentável?

Não só a gente precisa sonhar, mas a gente precisa transformar esses sonhos em prática. Mais do que nunca, as demandas por sustentabilidade são urgentes. A gente está vendo uma série de alertas dia após dia, eventos extremos climáticos, comitês científicos apontando para o risco eminente de colapso ambiental. A gente não precisa sonhar, a gente precisa acordar e acordar rápido, porque a nossa própria existência está em jogo e mesmo diminuindo um pouco a escala,  sem pensar nas mudanças climáticas globalmente falando, o problema da poluição gerada pela queima de combustíveis fósseis é um problema que afeta diretamente, diariamente e há muito tempo as pessoas. Para se ter uma ideia, a OMS estima 1.3 milhão de pessoas perdendo a vida em incidências de trânsito anualmente no mundo. Estima-se também que morrem sete vezes mais pessoas decorrentes de problemas relacionados à poluição atmosférica. Boa parte do problema da poluição é gerado pela queima de combustíveis fosseis pelos transportes. Então, uma mudança na matriz energética é fundamental. Não só isso, tem que pensar em como a infraestrutura viária se distribui pela cidade, por onde as pessoas moram, porque a proximidade com vias de trânsito rápido, com tráfego intenso aumenta o risco de doenças cardíacas e respiratórias. De fato, a gente precisa mudar muita coisa nesse contexto.

 

Há algum modelo eficiente de mobilidade urbana em alguma cidade do Brasil?

Não existem modelos ideias, não existe cenário perfeito, mas existem alguns cases interessantes. Poderia citar dois aqui como: a cidade de Curitiba, onde foi criado os sistema de transporte por ônibus, o BRT, que consiste em dedicar espaço exclusivo para o ônibus circular, de forma a colocar atributos nesse sistema para que esse modo de transporte flua e seja eficiente, chegando ao nível de eficiência próximo a transporte sobre trilhos. Curitiba tem criou uma perspectiva de redes de transportes, ampliação de infraestrutura cicloviária, regularização de calçadas, por aí vai.

Outro exemplo é a cidade de Fortaleza, que só no período da pandemia, de 2020 para cá, construiu mais infraestrutura cicloviária do que  Maceió em toda sua história. Lá tem 150km de faixa exclusiva para ônibus, esse número deve até já está atualizado para mais que isso, enquanto Maceió tem cera de 20km de faixa exclusiva para ônibus. Então, acho que tem alguns cases interessantes. Muitas pessoas dizem que “não vão andar de bicicleta por ai”, só que você não precisa andar de bicicleta, mas se outras pessoas do seu entorno migrarem para bicicleta isso vai aliviar a pressão no espaço público. Quanto menos pessoas estiveram em carros e motos, mais espaço irá sobrar na estrutura viária. Fortaleza, por exemplo, com esse investimento em infraestrutura cicloviária aumentou de 3% para 5% o deslocamento em bicicleta na cidade. Pode parecer pouco, 2%, mas se a gente transportar esses 2% para esse contexto de Maceió, isso significaria dezenas de milhares de viagens a menos de carro diariamente na cidade. Mais uma vez eu digo, é preciso pensar em rede, ter perspectiva em rede, para que os modos de transportes sejam qualificados e funcionem de forma conectada.

 

Como você avalia a instalação dos radares pela Prefeitura de Maceió, para controlar a velocidade dos motoristas em vias de grande tráfego?

O controle de velocidade é uma política pública adotada no mundo inteiro, então Maceió, ao anunciar essa estratégia de controle de velocidade não está inventando a roda, muito pelo contrário, está muito atrasada. Maceió já teve fiscalização de velocidade, controle de velocidade, controle de avanço semafórico, controle de respeito à faixa de pedestres e sob o falacioso argumento da indústria de multas, desativou todo esse sistema que já existia.

Então, Maceió, se não é a única, é uma das únicas capitais do Brasil que não tem nenhum tipo de controle de velocidade no trânsito urbano. Na verdade, Maceió até tem, num trecho ali da BR -104, do viaduto da PRF para a Ufal, e ali um trecho da BR -316, mas são rodovias que estão dentro do território municipal, mas são contextos rodoviários, são instrumentos instalados por órgão federal.

O controle de velocidade é uma política pública adotada no mundo, pelas seguintes razões:

A primeira, ela acalma o trânsito. Os veículos circulando em uma velocidade mais baixa fazem com que as pessoas, os condutores, possam ter mais tempo de reação, mais tempo hábil para reduzir velocidade, para parar o veículo, observar as pessoas em volta deles, respeitar uma faixa de pedestres. O limite de velocidade torna o trânsito um ambiente mais amigável, mais gentil com as pessoas.

A segunda é que o controle de velocidade reduz o risco de choques, reduz o risco de lesões e mortes e contribui para a fluidez do trânsito.