Os leitores mais antigos deste espaço domingueiro já devem estar entediados de tanto me ver falar de Charles Darwin, o personagem histórico que mais admiro, pela capacidade de desenvolver a mais fina teoria científica partindo da observação – coisa de gênio, pois.
Já li pelo menos três biografias do pai da Teoria da Evolução, e me deparei com um homem comum, hoje entendo, com suas contradições, tormentos e dramas pessoais, mas que enfrentou com rara valentia a calúnia e a infâmia, em nome de uma verdade nunca superada (apenas melhorada) com o avanço da tecnologia/conhecimento.
Quando, aos 22 anos, Darwin partiu em viagem à América do Sul, no veleiro Beagle, não guardava a mínima expectativa de que viria a se tornar um dos maiores gênios da história da Humanidade e o "homem mais perigoso da Inglaterra" do seu tempo. Depois de cinco anos longe de casa e perto da Natureza, ele já trazia consigo não apenas o conhecimento adquirido pelo incansável pesquisador, mas também o esboço da ciência que iria mudar de uma vez por todas o entendimento sobre a Vida na Terra.
Aluno mediano, que não carregava nenhuma saudade da escola, filho do destacado médico aristocrata Robert Darwin, para quem o jovem Charles seria "uma vergonha para si mesmo e para toda a família", de fato nunca levantara a suspeita de que iria muito além da mediocridade que o cercava. Aluno de Medicina, ele abandonou o curso e foi estudar Teologia em Cambridge, onde pretendia se tornar ministro da Igreja Anglicana - por quem passaria a ser repudiado, tempos depois. Salvou-o a sua curiosidade pela ciência, e formou-se numa profissão alternativa: Naturalismo.
Homem ao mar, ele carregava sólidos conhecimentos sobre a nova Geologia, que estudara com afinco nos escritos de um dos seus maiores amigos de então - Charles Lyell, que se tronou também ex-amigo. Chamavam-lhe a atenção, especialmente, os ensinamentos de Lyell de que a "Terra passava por mudanças graduais e lentas" - o que ele usaria, mais adiante, na sua Teoria da Evolução (o maior expoente dessa escola foi o inglês Herbert Spencer, a quem Darwin não dedicava um mínimo de simpatia).
Do fim da viagem, 1836, à publicação da primeira edição - 1.200 exemplares - de A origem das espécies, em 1859, foram mais de vinte anos, boa parte escrevendo, analisando, pesquisando e refletindo sobre as consequências, para ele e para a família, da sua futura obra. O homem pensativo e afável, que tinha paixão pela ciência, era, também, de uma família profundamente religiosa, e seria exatamente ele que iria "matar Adão e Eva no paraíso".
- Logo serei visto como o mais desprezível dos homens. A besta mais arrogante que já viveu.
E isso lhe doía na alma. A mulher (e prima) Emma não era apenas a mãe dos seus filhos. Lia para ele, inclusive em alemão - que Charles não dominava -, pelo menos quatro horas por dia sobre tudo que havia sido registrado acerca do tema que o fascinava. Ao ver o marido na iminência de publicar o seu "livro-bomba", Emma escreveu-lhe uma carta em que indagava sobre "o mal" que ele iria causar à fé dos homens (às Igrejas e seus fiéis, na verdade). Darwin revelou, tempos depois, que sempre chorava ao ler as sinceras linhas da companheira.
Mas venceu o cientista, até hoje odiado pelos cristãos fundamentalistas - principalmente - dos Estados Unidos, ainda defensores do Criacionismo. Caluniado por todos os lados, Darwin foi apresentado nos meios acadêmicos - de forma debochada, claro - e na imprensa britânica como "o homem-macaco", porque teria afirmado - mais uma mentira - que nós descendemos dos símios (esta última calúnia atingiu injustamente nossos "primos" mais peludos, a quem prezo e admiro e que não mereciam tamanha ofensa). Temos ancestrais comuns, isso, sim, deixou escrito.
Ele não era dado a embates públicos. Pelo contrário, trocava correspondência com os maiores cientistas que conhecia - ou buscava conhecer - expondo seus conhecimentos e dúvidas, na escancarada demonstração da sua honestidade intelectual (o que é cada vez mais raro, porque a ciência, como quase tudo, virou quase só business + vaidade).
Se havia um animal a que queria conhecer em detalhes, entregava-o ao anatomista mais brilhante, Richard Owen - que viria, também, a tornar-se mais um fervoroso inimigo. Como não se expunha publicamente nessas pelejas, o manso Charles tinha no fiel escudeiro Thomas Henry Huxley, "o buldogue de Darwin", seu escudo à ira que provocava.
Mas a infâmia não teve (e não tem) limite.
Deturpadores que vieram depois viram em Darwin e sua "seleção natural" - o princípio central da Evolução - a fundamentação científica de que precisavam para uma nova teoria político-social. Nascia, assim, o darwinismo social, contrariando o humanista fervoroso, o homem generoso. Ernst Haeckel, um dos principais mentores dessa escola, inspirou o Nazismo e sua virulenta defesa da eugenia e da eutanásia - "só os fortes devem sobreviver e procriar".
Pobre grande Darwin!
Nunca pregou que a Evolução levava à formação de seres cada vez mais complexos, o que, se fosse verdade, colocaria o Homem como o resultado mais bem-acabado do processo que a Vida levara bilhões de anos a tecer. Não enxergava hierarquia nessa Natureza, apenas buscou compreendê-la para tentar explicá-la.
Talvez, por tudo isso, pela essência insuperável dos homens, sua última obra - escrita em 1881, um ano antes de morrer - tenha sido sobre as minhocas.