Os episódios de violento racismo no futebol – na Espanha, na Argentina, Paraguai e também no Brasil – me levam a voltar a este tema, que merece sempre a nossa mais visceral rejeição: o racismo.
Por que o “povo” nas arquibancadas entoa cantos carregados de desprezo e ódio aos atletas pretos, numa manifestação em tudo primitiva e injustificável?

Talvez a razão esteja com o pensador e filósofo italiano Umberto Eco, no seu ensaio Intolerância (em Cinco Escritos Morais), já citado aqui outras vezes, numa constatação que me parece bastante dolorosa:

- Os ricos produziram, no máximo, as doutrinas do racismo; mas os pobres produzem sua prática, bem mais perigosa.

E segue: 

“A intolerância selvagem deve ser, portanto, combatida em suas raízes, através de uma educação constante que tenha início na mais tenra infância, antes que possa ser escrita em um livro, e antes que se torne uma casca comportamental espessa e dura demais”.  

Para a Biologia, felizmente, a discussão racial vai sumindo à medida em que avançam os estudos da genética, do DNA, da genômica. 

No seu excelente ensaio Humanidade sem raças?, o cientista brasileiro Sérgio Pena discorre sobre o tema de forma agradável e acessível a qualquer pessoa. Quais as diferenças tão terríveis poderiam ser encontradas entre grupos raciais, quando apenas 0,05% do genoma humano varia entre dois indivíduos? São só algumas dezenas de genes, entre aproximadamente 20 mil, a definir a cor da pele e a aparência física de cada um de nós.

Mas a ciência, ao longo dos tempos, acumulou uma dívida que só agora está sendo paga, após os avanços, necessários avanços, dos estudos que confirmam aquilo que muitos humanistas já sabiam: racismo é parte essencial da nossa mais primitiva estupidez. 

Narra Pena que, em 1767, o naturalista sueco Carls Linnaeus dividiu pela primeira vez "cientificamente" os homens em agrupamentos em tudo diversos:

- Homo sapiens europaeus: branco, sério e forte;
- Homo sapiens asiaticus: amarelo, melancólico, avaro;
- Homo sapiens afer: negro, impassível, preguiçoso;
- Homo sapiens americanus: vermelho, mal-humorado, violento.

Estereótipos que não se sustentam, minimamente, mas que deram o aval da academia de então a um dos períodos mais dolorosos e sangrentos da História do homem. 

A escravização dos africanos, principalmente (e dos nativos das Américas), encontrou também na Filosofia amparo para seu exercício sem culpas. É do autor do Dicionário Filosófico, o francês Voltaire (Cartas Filosóficas, de 1733), a perversa definição sobre os homens sequestrados da África para os novos territórios ocupados, levando-os à mais terrível das existências:

- A raça negra é uma espécie humana tão diferente da nossa quanto a raça de cachorros spaniel dos galgos. A lã negra nas suas cabeças e em outras partes não se parece em nada com o nosso cabelo; e pode-se dizer que a sua compreensão, mesmo que não seja de natureza diferente da nossa, é pelo menos muito inferior.

Estava definitivamente aberta a temporada do racismo. No Brasil, os negros africanos, a quem  devemos tanto na cultura, na culinária e, principalmente, pela mais pura mistura que corre nas nossas veias, eram tratados por "bichos", numa diferenciação nada sutil dos colonizadores europeus. 

Uma tragédia, avalizada também pela Igreja, e que chegou a chocar Montesquieu, outro grande da Filosofia:

- É impossível supormos que esses seres sejam humanos, porque, se aceitarmos que são humanos, haveria então a suspeita de que nós não somos cristãos.

Uma manifestação de fina ironia e indignação contra o tratamento imposto pelos escravocratas do Velho Continente, a que herdamos e ainda não superamos de todo. Mais incisivo, e bem depois, veio o antropólogo alagoano Arthur Ramos, que na Direção do Departamento de Ciências Sociais da Unesco mandou para o mundo, já em 1949, a mensagem da igualdade:

- Raça é menos um fato científico do que um mito social; a capacidade mental é a mesma em todas as raças; a reprodução entre pessoas de raças diferentes não leva à degeneração.
É claro e necessário que o tema racial continue em evidência nos estudos de Sociologia, Antropologia, História, Cultura etc. Até para entendermos e assimilarmos, mais e mais, que a humanidade tem rima e solução com a diversidade. 

Há de se combater, sem fronteiras e sem tréguas, o racismo, um mal que atravessa os séculos e se alimenta da intolerância, envenenando as relações entre indivíduos e povos. 

Lembrando que só em março de 1997, Zumbi dos Palmares teve seu nome inserido, como herói nacional, no Livro de Aço dos Heróis e Heroínas Nacionais, ao lado de seis dezenas de brasileiros fundamentais.

Mas, é o que parece, ainda haverá de demorar bastante até chegarmos ao tempo em que - como expressou e defendeu com a própria vida o líder negro Martin Luther King - as pessoas serão julgadas pelo que são; não pela cor da sua pele.

Aqui e em todo o planeta.